Mostra de Anna Bella Geiger revê as obras da artista no período final da ditadura

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lá fora, o camuflado da roupa dos milicos tomava as ruas do país e mostrava quem mandava. Mas o clima de medo não significava que os artistas, especialmente os que não deixaram o Brasil durante a ditadura, como Anna Bella Geiger, parassem de produzir.

Na virada para a década de 1980 e nos anos seguintes, a carioca fazia pinturas com motivos que ela chama de “quase mapa, quase mancha”, que punha tanto em telas quanto sobre estofados. São formas que remetem ao camuflado militar, embora não sejam literais e não sigam o diagrama de cores verde dos trajes do Exército, mas sim o da artista, com tons azulados e rosas.

Geiger também participou da Bienal de São Paulo de 1981 com uma instalação na qual havia um vídeo com imagens desfocadas e tremidas destas mesmas manchas. As cenas eram acompanhadas por sons horripilante de estouros, e é impossível não relacionar os barulhos aos estalos das bombas jogadas pelos militares nas ruas das cidades em perseguições aos que eles consideravam inimigos do Estado.

É uma obra metafórica e que parece assustadoramente atual. “Trazê-la de novo, numa época como esta, que está bem esquisita no Brasil”, diz a artista de 91 anos, em conversa por telefone, lembrando de como era difícil trabalhar durante os anos de chumbo. “Os significados [da obra] estão ali para quem queira.”

A instalação e as pinturas podem ser vistas agora numa exposição na galeria Mendes Wood DM, em São Paulo, que recupera a produção da artista —um dos principais nomes do cenário brasileiro—, nos anos 1980. O recorte foi escolhido por Geiger e pela curadora Ana Hortides por pertencer à uma fase menos conhecida da carreira da artista, comumente lembrada como pioneira da videoarte e pelos seus trabalhos com mapas.

Geiger afirma que a exposição é uma oportunidade para gerações mais jovens entrarem em contato com essas obras que, embora tenham sido mostradas em galerias quando foram feitas, não eram exibidas há muitos anos. Os trabalhos vieram do ateliê da artista, no Rio de Janeiro.

O final da ditadura e o início da redemocratização coincidiram com uma mudança no trabalho de Geiger, um momento em que ela diz que começava a entender outra natureza de sua obra. Sua criação pictórica passou a trazer formas a meio caminho entre o abstrato e o figurativo, de difícil definição. “Aquilo é o que eu podia fazer como pintura naquele momento”, ela diz. “É como se o próprio Brasil tivesse quase se desvanecido nos 20 anos de ditadura.”

Sua nova estética se desenvolveu devido ao desgaste que sentia depois de trabalhar por cerca de 15 anos com o abstracionismo geométrico, como “um escritor que não aguenta mais escrever no mesmo estilo”, e por ter deixado de pintar seguindo a cartilha daquela escola.

Geiger destaca duas pinturas em tinta acrílica da série “Cais e Oceano”, ambas influenciadas por Johannes Vermeer, artista holandês do século 17 que pintava tanto cenas domésticas quanto paisagens das cidades de seu país natal banhadas pela água. Em um texto que acompanha a exposição, a artista diz entender os quadros de Vermeer “pela construção arquitetônica, não pelos elementos figurativos”.

A partir disso, a artista passou a dividir o espaço pictórico, aplicando a tinta na tela de forma metódica, da esquerda para a direita. “Não trago a figuração do Vermeer, e sim a sua composição, a sua estrutura”, ela escreve.

Em paralelo à exposição, Geiger lança em São Paulo um livro que recupera o seu trabalho com cartografia. Intitulado “Typus Terra Incógnita”, o volume contém obras de 1974 a 2024, entre desenhos e esboços, nos quais ela questiona as definições geopolíticas de centro e periferia.

Na construção do que ficou conhecido como a sua “geopoética”, ela manipula e distorce as proporções de mapas, além de propor novas definições dos locais de poder, como numa ilustração em que sugere que a América do Sul poderia ser o centro cultural do mundo e o Rio de Janeiro, o centro cultural do Brasil.

Anna Bela Geiger – Quase Mapa, Quase Mancha

Quando Até 1º de fevereiro de 2025. Segunda à sexta, das 11h às 19h; sáb, das 10h às 17h

Onde Mendes Wood DM – r. Barra Funda, 216

Preço Grátis

Livro ‘Typus Terra Incógnita’

Quando 11 de dezembro, às 19h

Onde Desapê – Travessa Dona Paula, 7, São Paulo

Preço R$ 720 (84 págs.); R$ 3.620, edição com gravura da artsta

Autoria Anna Bella Geiger

Editora Familia Editions

Link: https://www.familiaeditions.com/books/typus-terra-incognita

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS