Mostra de Ivald Granato destaca as cores explosivas das telas de sua fase áurea

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando Ivald Granato desembarcou na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra, em outubro de 1967, justo no dia em que se noticiava a morte de Che Guevara, correu a notícia de que um guerrilheiro havia chegado à cidade.

Por isso, assim que pisou no hotel em que havia se hospedado, foi logo avisado por um dos funcionários que algumas pessoas esperavam por seu aceno da janela e, pouco tempo depois, já estava alguém ali com a ordem de buscar o artista para conhecer o líder local.

A história, inusitada, é narrada pelo próprio Granato no documentário que agora é exibido como parte da mostra “Seres”, em cartaz na galeria Dan até 21 de outubro. Contando o episódio, o artista ri ao se lembrar da confusão, mas não deixa de reconhecer a si mesmo como “um tipo guerrilheiro” em razão das roupas coloridas, calças apertadas, cabelo e barba grandes. “Um pessoal gritando ‘viva’ e eu não sabendo de nada”, diz. “Fiz pose e pronto. Acabei me tornando um guerrilheiro.”

A facilidade em assumir para si uma outra identidade não era algo incomum para o artista fluminense morto em 2016, aos 66 anos. Considerado um camaleão no meio das artes, dado o trânsito por diferentes gêneros, suportes e linguagens, ele foi também um dos precursores da performance no Brasil, o que fez com que um crítico da época chegasse a declarar que a obra de Granato “tendia a ser ofuscada pelas suas atitudes ultrajantes e sua necessidade de aparecer a qualquer custo”.

Em suas incursões no gênero performático, não faltavam flertes com outros artistas. “My Name Is Not Joseph Beuys”, de 1978, e “My Name Is Not Andy Warhol”, de 1980, são apenas alguns exemplos de como, brincando de não ser o outro, ele tomava para si trejeitos e características desses personagens, ironizando essas figuras ao pintar o cabelo de amarelo ou se mostrar rodeado de bichinhos infláveis e de pelúcia -referências à peruca de Warhol e à performance na qual Beuys conviveu por três dias com um coiote.

Sua personalidade irreverente, “vigorosa e irrequieta”, como afirma João Carlos de Figueiredo Ferraz em um artigo sobre o amigo, “roubava, indevidamente, as luzes que deveriam ser todas dirigidas em atenção à sua obra”. E é por esse motivo que a mostra “Seres”, ao excluir as performances de Granato e destacar sua produção pictórica, sobretudo nos anos 1990, faz com que o visitante retire o foco das “personas” criadas por ele e dirija o olhar apenas para a pintura.

O curioso é que, ao observar o movimento plástico das figuras criadas por Granato, o que se vê é também uma continuação da sua personalidade. Isso porque no gesto do artista, transposto para o quadro, está também o deslocamento do próprio corpo. “Quando ele faz esses seres, eles nunca estão estáticos, ou estáveis, mas sempre buscando algo, como uma extensão dele mesmo”, afirma o pintor Claudio Tozzi, também amigo de Granato.

Na opinião de José Roberto Aguilar, os seres eram apenas um pretexto para a gestualidade e também para a cor. “Além do domínio inacreditável que tinha do gesto, Granato foi o maior colorista da história da pintura brasileira.”

A explosão das cores, de fato, é uma característica comum na seleção de obras que fazem parte de “Seres” e um desafio, inclusive, para a montagem. O jeito foi dividir as telas nas paredes do espaço agrupando todas elas em torno da variação cromática, dividindo sua produção em grupos com fundos pretos, azuis, amarelos e terrosos.

“São raríssimos os trabalhos de Granato em que ele usa apenas o preto e o branco”, diz Daniel Rangel, que organiza a mostra. “A grande maioria tem essa vontade de imprimir cor nas coisas, o que fazia parte da sua personalidade efusiva e expansiva.”

O período que abrange a exposição é também considerado por Rangel como a fase áurea de Granato, momento em que o artista -que esteve conectado a todos os movimentos de vanguarda, como o pop e a tropicália- encontra uma linguagem própria e que viria a ser definida depois como “granatês”.

É, também, a época na qual seu ateliê na esquina das avenidas Henrique Schaumann e Brasil, em São Paulo, se tornou um ponto de encontro entre artistas das mais variadas áreas e quando ele passou a estampar capas de revista e chegou a viajar para a Alemanha a convite da princesa Gloria Thurn und Taxis -algumas pinturas expostas, inclusive, foram desenvolvidas em um castelo na cidade histórica de Regensburg.

Nesse sentido, a mostra ganha importância por ser a primeira na Dan que traz Granato como um artista representado pela galeria, o que marca, de certa forma, uma volta para o mercado e a busca da família por reconhecimento. A ausência no circuito comercial desde sua morte, no entanto, não traduz de modo algum uma falta de absorção dentro do meio.

Embora não haja uma cronologia certa sobre a representação que teve durante a vida, é possível resgatar seu percurso diante das diversas iniciativas documentadas ao lado de galerias como Luisa Strina, Mônica Filgueiras, Paulo Figueiredo, Paulo Klabin, Millan e Nara Roesler, com quem realizou duas individuais na década de 1990.

A informação que circula sobre essa época é de que o artista vendia muito bem. “Havia gente esperando por quadros dele e todo mundo desse período sabe a importância de Granato, mas as instituições, não”, diz Rangel. “É um caminho que ainda irá conquistar dentro de uma historicidade que muitas vezes o oculta em mostras panorâmicas, mas ele ainda deve voltar a fazer parte desse momento como uma figura central.”

Prova dessa constatação é o fato de que sua participação no “Mitos Vadios”, evento organizado por ele em um estacionamento da rua Augusta, em São Paulo, no ano de 1978, é muitas vezes obliterada quando comparada a outros participantes, como Hélio Oiticica e Anna Maria Maiolino.

O happening, que aconteceu em paralelo à primeira Bienal Latino-Americana, foi um verdadeiro acontecimento e contou com Granato chegando ao espaço vestido como Ciccillo Matarazzo e recepcionado por um Oiticica de sunga e sapatos prateados.

“Granato fez parte de uma geração para a qual o mercado não era um determinador tão grande. O artista era o personagem central desse sistema, praticamente a única figura”, diz Rangel. Alice Granato, filha do artista, concorda. “Sinto que a geração deles ficou muito no ateliê, mais isolada, sem representação, sem marketing, assessoria de imprensa, mas também mais livre. Eles não trabalharam na parte da visibilidade e pagaram um preço alto por isso.”

Diretora do Acervo Ivald Granato, criado após a morte do artista, ela e o restante da família lutam não só pela preservação do que foi construído por ele, mas para que seu trabalho seja revisto e amplificado, atingindo o maior número de pessoas e instituições.

É um projeto que já começa a dar frutos e faz com que o legado de Granato passe a iluminar a figura extravagante que o criou. “Ele era um dos maiores provocadores e trazia uma grande criatividade na provocação”, diz José Roberto Aguilar. “Sem ele, o mundo da arte ficou careta.”

SERES IVALD GRANATO

Quando Seg. a sex., das 10h às 19h, sáb., das 10h às 13h. De 19 de agosto a 21 de outubro

Onde Dan Galeria – r. Estados Unidos, 1.638, São Paulo

Preço Grátis

Classificação Livre

NINA RAHE / Folhapress

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