PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Às vésperas da visita de Estado do líder Xi Jinping a Brasília, o Museu de Arte da Cafa (Academia Central de Belas Artes) lançou na terça-feira (12) em Pequim uma exposição do fotógrafo Sebastião Salgado, fechando uma programação anual que ficou devendo, no cinquentenário das relações diplomáticas bilaterais.
A própria mostra só se viabilizou pela informação passada pelo fotógrafo, da existência de uma coleção de seus trabalhos em Chengdu, na província de Sichuan, o que derrubou os custos.
“Esta curadoria, na verdade, é um recorte, seu universo é restrito à coleção”, diz o brasileiro Milton Guran, que divide a curadoria com o francês Jean-Luc Monterosso. “Dentro dessas possibilidades, selecionamos fotos icônicas que contemplam todos os diversos aspectos da coleção e da obra do Sebastião.”
Do Brasil, sublinha, “tem Serra Pelada, Nordeste, tem indígena”. Também América Latina, “tem muita coisa daquela série ‘Outras Américas’, talvez o melhor livro dele”.
Salgado, acrescenta Guran, “talvez seja a principal referência de fotografia documental na China, realmente um ídolo entre os fotógrafos profissionais e amadores chineses”. Patrocinada por empresas brasileiras, a exposição “Do Brasil à Terra” vai até 1º de dezembro, com mais de 30 obras.
A produtora francesa Catherine Benainous, que coordenou os trabalhos entre a Embaixada do Brasil, os dois curadores e o Museu de Arte Contemporânea de Chengdu, para viabilizar a exposição, é abertamente crítica da contenção do Brasil nos eventos do aniversário das relações.
“Não havia plano para os 50 anos, nem do Ministério da Cultura, o que para mim é absurdo”, diz ela, comparando negativamente com o que a França, país onde mora, realizou na China neste ano, para celebrar os 60 anos das relações bilaterais. Também citou a estrutura que já está sendo montada pelo governo brasileiro para preparar a programação cultural na própria França, no ano que vem.
No caso de Salgado, não fosse Chengdu, “não tinha orçamento” sequer para a impressão das fotos. “Não sei se é porque eu sou francesa, mas acho um erro estratégico do Brasil”, diz ela, referindo-se à ausência de atenção ao “soft power”, a projeção de poder cultural pelo país, uma prioridade de Paris.
“Enquanto o Brasil não fizer o esforço de trazer para a China o melhor que ele tem, em todas as artes, o chinês vai olhar o país só como um fornecedor de matérias-primas, não uma das grandes nações culturais”, diz, citando o conhecimento e a demanda chineses por artistas da Europa e dos Estados Unidos.
Acrescenta que o questionamento vale não só para o governo, mas para as empresas brasileiras presentes na China, que ela vê voltadas demais a commodities sem apelo direto aos consumidores chineses, sem perceber o que a cultura poderia trazer em valorização institucional do Brasil.
O balanço do embaixador em Pequim, Marcos Galvão, vai em outra direção. “Nós ainda estamos longe do que queremos alcançar, mas tem havido, sobretudo agora, uma multiplicação de eventos”, afirmou.
“Estamos fazendo um grande esforço porque achamos que, nesta relação que é densa, que é tão grande, falta conhecimento recíproco”, diz. “O Brasil sabe pouquíssimo da China, a China sabe pouquíssimo do Brasil. A divulgação cultural é uma prioridade, porque achamos que é a grande lacuna na relação hoje.”
Além de Salgado, houve uma exposição brasileira de grande porte no cinquentenário, de design dos Irmãos Campana, organizada através do consulado em Xangai e intitulada “Impermanência”. Ficou em cartaz por três meses, a partir de junho, com repercussão local e no exterior.
Galvão não citou, mas uma das frustrações no ano foi que não se viabilizou a vinda da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). O diretor-executivo Marcelo Lopes estava em Pequim até a semana passada, num encontro mundial com outros executivos de orquestras, e comentou que foi só um adiamento.
“Nós tínhamos uma perspectiva de vir este ano, porque são 70 anos da Osesp e 50 anos das relações, mas a gente teve que fazer uma escolha”, diz ele, citando a viagem feita à Europa. “A gente tem estabelecido conversas agora para 2026. Ainda não está fechado, mas as conversas estão absolutamente positivas.”
Afirma que “a questão é agendar data”. Seriam concertos nas duas grandes salas da capital. Lembra que em 2019, com patrocínio da mineradora de nióbio CBMM, a Osesp se apresentou em Pequim, Xangai, Jinan e Hong Kong. “Foi muito bonito, plateias muito receptivas”, diz.
Também presente no encontro em Pequim, Alessandra Costa, diretora-executiva da Sustenidos, organização social gestora do Teatro Municipal de São Paulo, não prevê apresentações na China, por enquanto. Mas espera fechar uma parceria voltada às respectivas centrais de produção.
Segundo ela, no célebre NCPA, da sigla em inglês para o Centro Nacional de Artes Cênicas, em Pequim, “tem essa coisa da China, da vontade de estabelecer relações para mostrar o que eles fazem, o potencial do país, abrindo essas portas para cooperação”.
Foi no NCPA que se apresentaram os violonistas Fábio Zanon, brasileiro, e Yang Xuefei, chinesa, em 5 de setembro. Projeto da embaixada financiado por empresas brasileiras com presença no país, foi o principal evento de música clássica do cinquentenário.
NELSON DE SÁ / Folhapress