SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A partir dos anos 1950, Hélio Oiticica e Waldemar Cordeiro deram fôlego novo à arte brasileira. Os dois romperam com a hegemonia da pintura figurativa, propondo obras experimentais e questionadoras. Apesar desses pontos em comum, eles tinham uma diferença fundamental.
Oiticica era um representante do neoconcretismo carioca, enquanto Cordeiro era um dos líderes do concretismo paulista, correntes que se posicionavam em lados opostos do circuito artístico brasileiro. Se seus projetos estéticos aproximavam os dois, as vanguardas a que pertenciam os separavam.
Essa dinâmica de aproximação e distanciamento foi traduzida na exposição “Encontro/Confronto”, em cartaz na Pinakotheke Cultural, no Morumbi, zona oeste da capital paulista. A mostra reúne um conjunto de 37 obras dos dois artistas para refletir sobre os pontos de convergência e divergência de seus trabalhos.
Idealizador do projeto, Max Perlingeiro diz que a ideia surgiu ainda em 2015, quando fez uma mostra sobre os 50 anos da “Opinião 65”. Essa exposição foi realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e marcou a primeira vez em que Oiticica expôs os seus célebres parangolés, conjunto de tecidos com diferentes cores que devem ser vestidos pelas pessoas.
“No momento da pesquisa para esse trabalho, vi que os dois tinham muita coisa em comum. Ambos eram teóricos e ambos produziam obras de caráter contestatório”, diz Perlingeiro, que assina a curadoria da mostra ao lado de Paulo Venancio Filho e Luciano Figueiredo.
A natureza questionadora do trabalho de Oiticica está evidente na exposição por meio da bandeira-poema “Seja Marginal, Seja Herói”. Além dessa frase, o tecido traz impressa uma imagem do cadáver de Manoel Moreira. Conhecido como Cara de Cavalo, o homem foi executado em 1964 pela polícia do Rio de Janeiro após ser acusado de matar um detetive.
O trabalho foi feito em 1968, período em que a repressão da ditadura militar se exacerbou em razão do AI-5. Dois anos antes, Cordeiro também havia recorrido a uma bandeira para transmitir mensagens. Em um tecido, lê-se a palavra “Canalha” em letras garrafais tingidas de vermelho.
“Essa obra foi exibida na Bienal da Bahia e era a primeira coisa que as pessoas viam quando entravam na exposição. Foi um baita escândalo”, diz Perlingeiro.
No entanto, os paralelos entre os trabalhos de Oiticica e Cordeiro acabaram ofuscados pela cisão entre concretistas e neoconcretistas.
O neococretismo surgiu no final dos anos 1950 como uma resposta à rigidez concretista movimento que valorizava a objetividade e o cientificismo em detrimento de aspectos mais simbólicos e subjetivos da arte. Em 1959, o poeta Ferreira Gullar escreveu um manifesto no Jornal do Brasil afirmando que a arte concreta havia sido “levada a uma perigosa exacerbação racionalista.”
Para romper com esse racionalismo, os neoconcretistas defendiam uma abordagem artística menos fria e mais humanizada. Por isso, propuseram a volta da subjetividade e a valorização de obras com as quais o público pudesse interagir. “Essa foi uma briga que durou por muitos anos”, afirma Perlingeiro.
Oiticica e Cordeiro, no entanto, transcenderam esses embates e construíram linguagens muito particulares. “Chega um momento em que cada um deles continua os seus trabalhos dentro de novas perspectivas”, diz Paulo Venancio Filho, um dos curadores da mostra.
Cordeiro, por exemplo, promove uma fusão entre a pop art e o concretismo, resultando em obras como “Popconcreto”. Trata-se de uma marreta posicionada em cima de uma placa vermelha. Nessa superfície, há 25 círculos dentro dos quais é possível ver partes de um rosto.
De acordo com Venancio Filho, o artista se aproximou da linguagem pop para refletir sobre a sociedade de consumo. Isso pode ser observado em “Dólar”, obra em que o artista projetou um cifrão usando placas de metal.
“É uma tentativa de absorver e interrogar objetos e produções que fazem parte da cultura popular”, diz o curador. “O pop trabalha muito dentro desse espírito da apropriação. Ele percebia essa característica e tentava reproduzi-la dentro de uma lógica concreta.”
A exemplo de Cordeiro, Oiticica também promovia apropriações, recorrendo a imagens publicadas em jornais para construir algumas de suas obras. Foi isso o que ele fez em 1965 ao criar “Homenagem a Cara de Cavalo”, um dos destaques da mostra na Pinakotheke. Nesse trabalho, uma imagem mostra Cara de Cavalo estirado no chão após ser morto pela polícia. A fotografia está dentro de uma caixa coberta por um tecido de náilon.
Venancio Filho diz que essa obra é importante justamente por se valer de uma imagem, elemento pouco comum no neoconcretismo. “A partir daí, acontece uma mudança na obra do Hélio e ele parte para outros experimentos.”
Para o especialista, tanto Cordeiro como Oiticica eram artistas com uma forte verve intelectual. “Eles se expuseram ao público por meio de textos publicados em jornais, não apenas em espaços restritos às artes plásticas”, afirma o curador, acrescentando que essa prática perdeu espaço ao longo dos anos. “Hoje, não existe mais esse tipo de artista. Não tem mais a ver com questões intelectuais, e sim com galeria e mercado.”
ENCONTRO/CONFRONTO HÉLIO OITICICA E WALDEMAR CORDEIRO
– Quando Seg. a sex., das 10h às 18h. Sáb., das 10h às 16h. De 22 de março de 10 de maio
– Onde Rua Ministro Nelson Hungria, 200, Morumbi
– Preço Gratuita
– Classificação Livre
MATHEUS ROCHA / Folhapress