WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Nos primeiros minutos do filme “Ventre Materno”, um menino pede que sua mãe lhe explique os confrontos no Líbano. É o tipo de pergunta que desnorteia um adulto.
A história se passa em 1958, um ano de instabilidade e violenta disputa entre diferentes setores da sociedade. Foi, de certa maneira, um ensaio da guerra civil travada alguns anos depois, de 1975 a 1990.
Não há maneiras fáceis de explicar isso para uma criança. Layla, a protagonista, até que se sai bem. Diz que os grupos étnico-religiosos do país são incapazes de entrar em acordo sobre o que é o Líbanoe sobre o que deve virar.
Com essa potente premissa, o longa “Ventre Materno” abre a 18ª Mostra Mundo Árabe de Cinema. A estreia, gratuita, acontece na noite desta quinta-feira (31), no Cinesesc, em São Paulo. O festival fica em cartaz até 6 de setembro.
O filme, porém, não trata do confronto em si nem esmiúça a política libanesa. Essa é sua maior qualidade. Em vez disso, o diretor Carlos Chahine explora a noção de um paraíso perdido. Retrata um Líbano que não existe mais.
Os personagens de “Ventre Materno” estão no vale do Qadisha, uma região exuberante famosa pelos monastérios incrustados nas montanhas. As notícias do confronto mal chegam até ali. A preocupação da família de Layla não é sobreviver aos embates, e sim casar as filhas.
“Escrevi esta história para trazer de volta a região e as pessoas que tanto amei”, diz Chahine. Ele explica que o filme tem um quê de autobiográfico. Como seus personagens, costumava passar as férias nessa paisagem idílica. Em 1975, em meio à guerra, deixou o país. Vive hoje em Paris.
“Queria compartilhar com o público o que significa o exílio”, Chahine diz. Fala do Líbano retratado em “Ventre Materno” como “um país perdido, assombrado por fantasmas”. São sentimentos recorrentes entre libaneses, que desde o fim do século 19 têm deixado sua terra em massa seu maior número está, aliás, no Brasil.
Há um sem-fim de filmes sobre os confrontos libaneses. Chahine se destaca pela sensibilidade com que retrata o período. É um mundo que ainda orbita a França, seu antigo colonizador.
Um dos pontos de tensão é a chegada de um médico francês e sua mãe, interpretada pela atriz francesa Nathalie Baye, que trabalhou com gente como François Truffaut e Jean-Luc Godard. A dupla altera a dinâmica do vilarejo. “São eles que abrem os olhos da protagonista para uma outra vida possível”, diz Chahine.
A Mostra Mundo Árabe de Cinema também abre olhos. É uma das únicas oportunidades para o público brasileiro assistir a produções do mundo de cultura árabe. Neste ano, há dez filmes inéditos de lugares como Líbano, Palestina e Tunísia.
Por conta da pandemia, edições anteriores da mostra aconteceram em um espaço virtual ou híbrido. Perdia-se a aura da sala de cinema, mas ganhava-se acessibilidade era possível assistir aos longas de qualquer lugar. Neste ano, o evento volta a ser presencial, e apenas em São Paulo.
Além das exibições, a mostra prevê dois debates. Nesta sexta (1º), há uma conversa sobre os filmes “Birem” e “Uma Casa em Jerusalém”. No dia 5, o assunto é o longa “Ventre Materno”.
A Mostra Mundo Árabe de Cinema é realizada pelo Instituto da Cultura Árabe, com patrocínio da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. A curadoria é de Arthur Jafet, que também montou algumas edições anteriores.
Segundo a organização, o fio condutor que une os filmes é a temática social. No caso de “Ventre Materno”, isso aparece na discussão sobre o lugar da mulher e da religião na sociedade libanesa. Apesar da variedade geográfica, parece haver uma atenção especial à Palestina, tema de três dos longas, “A Bandeira”, “Birem” e “Uma Casa em Jerusalém”.
Além de “Ventre Materno”, dois filmes se destacam no catálogo. O primeiro é “A Última Rainha”, que se passa em Argel no início do século 16. É incomum que uma produção de época do mundo árabe cruze fronteiras assim costumam vir apenas os filmes contemporâneos, atrelados a fatos do noticiário.
A outra promessa da mostra é o longa “Jardins Suspensos”, que conta a história de um garoto em um lixão de Bagdá. O título evoca os jardins da Babilônia, uma maravilha do mundo antigo. É uma abordagem sensível do panorama iraquiano, costurando presente e passado.
18ª MOSTRA MUNDO ÁRABE DE CINEMA
Quando De 31 de agosto a 6 de setembro
Onde Cinesesc – r. Augusta, 2.075, São Paulo
Preço R$ 24 (inteira); a abertura no dia 31 é gratuita
Link: https://mundoarabe2023.icarabe.org
DIOGO BERCITO / Folhapress