SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Durante as quatro últimas décadas, quem fosse ao correio central da Pituba, a maior agência dos Correios de Salvador, poderia admirar o jardim com as esculturas de ferro dos orixás Oxalufã, Exu e Iemanjá. Elas foram feitas pelo artista plástico baiano Mário Cravo Jr., o último expoente da geração de artistas modernistas, e davam ao local um ar de encantamento.
Como a agência fechou no fim de 2018 –ano em que o artista morreu, aos 95 anos–, as esculturas ficaram guardadas, mas duas delas poderão ser vistas pelo público no Museu de Arte Moderna da Bahia a partir da quinta-feira (26), quando elas serão incluídas na exposição “Legado: Mario Cravo Jr. – 100 anos”, em homenagem ao centenário de seu escultor. A terceira, de Iemanjá, só irá para o acervo do MAM após ser restaurada.
Em exibição, dezenas de quadros pintados sobre madeira e tela nas décadas de 1980 e 1990, uma fase da carreira de Mario Cravo que o público conhece pouco. “É uma faceta exclusiva, que tem muito a ver com a criação livre. São obras abstratas, em sua maioria. Tem uma cor muito típica do modernismo baiano”, diz Daniel Rangel, que organiza a mostra.
No mês que vem, o segundo andar do Solar do Unhão, casarão que abriga o MAM, será aberto com mais obras de Mario Cravo, incluindo painéis com orixás que também estavam nos Correios.
Esta é a maior exposição com obras do artista em Salvador desde as realizadas em 2013 no Palacete das Artes, em comemoração aos seus 90 anos, e em 2014, na galeria Paulo Darzé.
Nos anos 1990, quando ganhou o Espaço Cravo, no parque de Pituaçu, o escultor doou cerca de 600 obras para o estado da Bahia, que só agora estão passando para a salvaguarda do MAM.
Com a incorporação, Mario Cravo passará a ser o artista com o maior número de obras no acervo do museu, que ele chegou a dirigir após a saída de Lina Bo Bardi. “Ele foi o primeiro artista local com quem Lina dialogou no meio das artes visuais”, afirma Rangel.
Em trecho do documentário “Bahia de Todos os Santos”, de Maurice Capovilla, de 1974, o artista explica o impacto do candomblé em sua obra. “Me interessava o candomblé não como uma religião. Não sou um crente, nunca fui, de religião nenhuma. O que me interessava era essa espontaneidade, essa força, o ritmo, a cor, o movimento, as danças.”
Segundo o curador, a exposição traz um Mario Cravo “mais do avesso, mais do ateliê”. “É uma exposição que mostra muito o processo dele, com vários estudos e um grande quadro, parecendo que são séries que ele foi fazendo.”
No ano do centenário de seu nascimento, Mario Cravo segue sendo mais conhecido justamente por suas obras expostas a céu aberto em Salvador, como a sereia de Itapuã, a Cruz Caída, as esculturas no parque de Pituaçu, o memorial a Clériston Andrade e o monumento a Ruy Barbosa.
A mais visível e conhecida delas é o monumento à Cidade do Salvador. No curta-metragem “A Fonte”, de André Luiz Oliveira, é possível ver o processo de criação do monumento, uma fonte luminosa inaugurada em janeiro de 1970 com 12 metros de altura no lugar onde funcionava o antigo Mercado Modelo, consumido pelo fogo.
Construído com fibra de vidro, o monumento foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia em 2002. Mas em 2019, um ano após a morte de Mário Cravo, ele também foi consumido por um incêndio. A obra foi reinaugurada em janeiro deste ano, reconstruída segundo os traços do projeto original.
“A madeira, a pedra, o ferro, na forja dos infernos, nas mãos do verdadeiro Exu da Bahia, são a flor, a água, a poesia, a vida mais vivida e mais profunda”, escreveu Jorge Amado, em 1961, sobre o amigo Mario Cravo Jr.
MARIO CRAVO JR.
Quando: Ter. a dom. – das 10h às 18h. Até 12 de novembro
Onde: MAM da Bahia – Av. Lafayete Coutinho, s/n
Preço: Grátis
Classificação: Livre
LUCAS FRÓES / Folhapress