Mostra ‘O Curso do Sol’ recupera laços da arte latino-americana com o Japão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tomie Ohtake chegou a dizer que sempre pintou pondo camada sobre camada sobre camada até chegar aonde queria. A declaração da artista, que tem sua obra mostrada agora em “O Curso do Sol”, pode ser estendida à própria exposição da qual faz parte.

Realizada 15 anos depois de “Laços do Olhar”, mostra no Instituto Tomie Ohtake que se tornou um marco ao abordar um século da presença japonesa no Brasil, a curadoria assinada por Yudi Rafael para a galeria Gomide & Co também adiciona camada sobre camada sobre camada ao ampliar a análise para o contexto latino-americano. “A grande estrela é a América Latina”, afirma o galerista Thiago Gomide.

A frase é justificada pelo fato de a seleção incluir cerca de 40 artistas de países como Japão e Brasil, além de Argentina e México. O olhar para a diáspora japonesa, desse modo, é muito mais por seus vínculos e contaminações do que pela ideia de pureza e segregação.

“Há várias camadas de diálogo e um ponto comum é a pintura informalista, que acontece como tendência global nos anos 1950 e 1960 e é muito forte na produção diaspórica japonesa”, diz Gomide.

No Brasil, ainda que a ditadura do Estado Novo, com propostas de nacionalização, tenha feito prisões arbitrárias e proibido os japoneses de falar sua língua, o Grupo Seibi reunia artistas que tinham entre seus objetivos a integração e o estabelecimento de ligações com os pintores brasileiros. A associação artística, criada em São Paulo, em 1935, teve suas atividades interrompidas durante a repressão e é um dos eixos centrais da mostra.

Entre os seus representantes, estão nomes como Manabu Mabe, que teria tropicalizado a escrita japonesa, adicionando a ela cor e matéria, e Massao Okinaka, que aprendia a arte da pintura sumi-ê quando se mudou com seus pais para o Brasil, em 1932.

Os estudos da flora japonesa e a paisagem montanhosa da província de Shiga, expostos em “O Curso do Sol”, são exemplos do período de formação trazidos na bagagem.

A inclusão de uma pintura a óleo do altiplano andino, realizada por Okinaka nos anos 1970, junto a paisagens dos artistas nipo-brasileiros feitas em trajetos pela América Latina, também reforça o conceito da exposição. E não causa ruído algum, ao lado delas, uma aquarela da serra do Mar de Alberto da Veiga Guignard.

O pintor, apesar de apresentar parentesco com a arte japonesa, nunca declarou tal influência. Algo diferente do que acontece com o argentino León Ferrari e o brasileiro Wesley Duke Lee, reunidos ali.

Enquanto Ferrari intervém em uma gravura japonesa que trata da masturbação feminina, acrescentando a ela uma citação bíblica para discutir a moral cristã, Duke Lee é profundamente impactado pela cultura nipônica ao participar da Bienal de Tóquio de 1965. Em “Cinco Comentários Ternos sobre o Japão ou Muito Obrigado”, ele faz uma releitura de temas como a árvore torcida e o jardim de pedra. Após a viagem, admite o quanto aprendeu do Ocidente por meio do Oriente e consegue, na análise de Walter Zanini, reconhecimento no Brasil.

Ao apresentar diferentes gêneros, a transição entre uma sala e outra de “O Curso do Sol” também funciona como uma contaminação. Nelas estão de paisagens a retratos, passando da pintura sumi-ê à caligrafia e às cerâmicas. Um ponto importante da mostra, em conexão com a 35ª Bienal de São Paulo, é a inclusão de trabalhos de Ioitiro Akaba e Masayo Seta, que estiveram nos ateliês do Juquery entre as décadas de 1930 e 1980.

Pensada há quase um ano, a ideia inicial da exposição era incluir, para além do Japão, toda a Ásia. O tempo e o espaço, no entanto, acabaram sendo impedimentos.

O CURSO DO SOL

Quando Seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., 11h às 17h. Até 14 de novembro

Onde Gomide & Co – av. Paulista, 2.644, São Paulo

Preço Grátis

NINA RAHE / Folhapress

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