SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As cores são tão quentes que parecem prestes a entrar em combustão. Já as pinceladas carregam uma intensidade que lembra o fulgor das labaredas de um incêndio. É como se as pinturas de Jorge Guinle irradiassem calor e pudessem queimar quem tenta tocá-las.
“São obras que têm uma saturação cromática muito grande. Elas são vibrantes e têm uma gestualidade muito vigorosa, com cores que parecem cutucar umas às outras, ter simpatia ou não umas pelas outras”, diz Vanda Klabin, historiadora da arte que assina o texto curatorial da exposição “Infinito”.
Em cartaz na galeria Simões de Assis, na zona oeste de São Paulo, a mostra reúne dez obras nunca antes exibidas publicamente. Os trabalhos foram produzidos em Nova York entre 1985 e 1986, pouco antes de Guinle morrer por complicações da AIDS, aos 40 anos.
Apesar de ter tido uma carreira breve, deixou uma marca indelével no circuito artístico brasileiro. Ele despontou com seus quadros abstratos nos anos 1970, momento em que a arte havia decretado a morte da pintura. O artista decidiu ir na contramão dessa tendência ao eleger a tela como o seu principal suporte. Não à toa, costumava dizer que a pintura faz com que os olhos vivam novamente.
“A pintura para ele era uma agenda permanente de dilemas. Ele mostra isso em todas as suas telas, num diálogo muito frequente com a historiografia da arte”, diz Klabin, acrescentando que o pintor era fascinado por artistas como Henri Matisse, Pablo Picasso e Jackson Pollock.
Aliás, a influência de Pollock se faz sentir na visceralidade com que Guinle pintava seus quadros, marcados por pinceladas cheias de ferocidade.
“Ele pintava com a mesma vontade que tinha para viver”, diz Klabin, que foi amiga do artista. “O Jorginho era uma pessoa muito intensa, que pintava compulsivamente e ficava no ateliê a noite inteira, falava de pintura o tempo todo. Ele era uma pessoa bastante culta e erudita.”
Boa parte dessa erudição foi formada nos anos em que ele morou no exterior. Nascido em Nova York, era filho do playboy Jorge Guinle, herdeiro de uma família rica conhecida por ter criado o Copacabana Palace. Na década de 1950, o artista foi morar em Paris, cidade onde começou a estudar pintura. Na década seguinte, despontou no mercado após se estabelecer no Rio de Janeiro.
O artista foi um dos representantes da geração 80, grupo que rompeu com o predomínio da arte conceitual. A pedra angular desse movimento foi a exposição “Como Vai Você, Geração 80?”. A mostra aconteceu na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, em 1984, reunindo mais de cem artistas, inclusive Guinle.
“Ele se tornou um caleidoscópio de referência para todos os artistas da época, como Beatriz Milhazes e Adriana Varejão”, afirma Klabin.
As obras que compõem a mostra foram descobertas em 2022. Até então, a galeria Simões de Assis sabia que os quadros existiam, mas desconhecia o paradeiro deles. Isso mudou quando um consultor de arte entrou em contato com a galeria para saber se um quadro que estava sendo leiloado em Nova York pertencia a Guinle.
Depois que a autoria foi confirmada, outras nove obras perdidas foram localizadas. Em 2024, a galeria finalizou a compra das pinturas que agora estão expostas.
“Essa mostra é importante por se tratar de uma redescoberta. É uma forma de trazer ao contato do público um conjunto tão expressivo que nunca tinha sido exposto antes”, diz Guilherme Simões de Assis, diretor da galeria.
Para ele, o trabalho de Guinle ajudou a romper o silêncio da arte brasileiro durante a década de 1970. “Esse foi um período de arte conceitual, da performance e de trabalhos realmente mais silenciosos. Já nos anos 1980, houve uma explosão de vida por meio do pop e das novas mídias. O Jorginho é parte fundamental desse processo.”
INFINITO
Quando Seg., a sex., das 10h às 19h. Sáb., das 10h às 15h. Até 10 de maio
Onde Galeria Simões de Assis – Alameda Lorena, n° 2050 – térreo – Jardins
Preço Grátis
Classificação Livre
MATHEUS ROCHA / Folhapress