RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Radares não faltam no trecho urbano da BR-101 no Recife, e a via é toda duplicada no entorno da capital pernambucana, mas mesmo assim ela figura entre os pontos mais críticos do país em relação ao número de mortes e concentra os trechos rodoviários mais perigosos para acidentes no estado.
No intervalo de um ano, dois trechos entre os quilômetros 60 e 80 da rodovia, na região metropolitana do Recife, registraram 24 mortes em 436 acidentes, aponta um estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte) sobre segurança nas estradas federais brasileiras, o que a coloca no ranking dos dez pontos mais críticos do país.
Por ser uma via de escoamento logístico, sua situação atrasa os negócios em pontos do Nordeste.
Além disso, a BR-101 teve 1.103 acidentes de novembro de 2022 a outubro do ano passado, o correspondente a 38% do total de Pernambuco, e quatro trechos seus, todos no entorno da capital, foram listados no topo dos mais perigosos no estado.
Entre os quilômetros 40 e 80 da rodovia, no entorno do Recife, ocorreram 755 acidentes, com 42 mortes no período, explicados pelos vizinhos pela ausência de passarelas, o intenso tráfego de caminhões e automóveis e camionetes que trafegam pelo acostamento e se deslocam para cidades como Olinda ou Jaboatão dos Guararapes.
A Folha percorreu cerca de mil quilômetros da rodovia em quatro estados -Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco- para mostrar os problemas.
Segunda maior rota rodoviária do país, atrás somente da BR-116, a litorânea BR-101 corta 11 estados de três regiões brasileiras -Sul, Sudeste e Nordeste-, ligando o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e que, embora tenha condições gerais classificadas pela CNT como boas ou regulares, enfrenta gargalos que travam o desenvolvimento.
No Nordeste, praticamente um em cada quatro acidentes ocorreu na BR-101 (3.330 no total), e ela foi também a rodovia com mais mortes (293, 17% do total).
“Isso [trânsito intenso] vai até pelo menos 9h, todos os dias, mas só acalma mesmo depois das 10h. Se os caminhões não contribuírem, não dá para passar. Faltam passarelas por aqui”, disse o pedreiro Davi Alves às 7h30 de uma terça-feira, duas horas após sair de sua casa, no sentido Recife-Olinda.
Gerente de uma transportadora, Cristiano Souza afirmou que a regra na rodovia no estado é saber a hora que o veículo parte da empresa, “mas nunca a hora que chegará” ao destino.
“É complicada, pois há muitos trechos urbanos, que sempre seguram a viagem, além de acidentes, que são comuns”, disse.
Em outro ponto da rodovia, idosos e estudantes passavam a 101 conforme a possibilidade. “Quando é um caminhão muito carregado, a gente sabe que ele vem mais lento e dá para passar correndo”, disse o aposentado João Claudio Freitas.
A situação é mais crítica nos entornos de comunidades, casos da região do Jardim Monte Verde e do bairro Ibura, entre os quilômetros 60 e 70, no sentido Jaboatão, que concentram aglomerações à espera de uma oportunidade para cruzar a pista.
O gerente-executivo de desenvolvimento do transporte da CNT, Tiago Veras, afirmou que o problema seria solucionado com a criação de contornos rodoviários, como o Rodoanel na região metropolitana de São Paulo ou o contorno viário inaugurado em agosto em Florianópolis. O problema é o custo, que no caso catarinense foi estimado em R$ 3,9 bilhões.
“Em muitas cidades com um contorno relativamente simples isso se resolve. E, claro, planejamento urbano, controle urbano, para que não haja novamente essa ocupação desse contorno. Na proximidade das áreas urbanas, é onde a gente tem muitas vezes uma maior concentração de acidentes, não só pelo número de veículos, mas também porque o elo mais frágil está mais presente, que é o pedestre, o ciclista”, disse.
Vendedor de bichos de pelúcia, Sebastião Damasceno afirmou que é praticamente impossível cruzar a BR na região. “Aqui não tem lugar para a gente passar se não for pela pista. Perco venda com isso, já que quem está do outro lado não consegue vir comprar, nem eu consigo levar até a pessoa”, disse ele, nas proximidades de Jaboatão.
ACIDENTE E ESPERA
O soldado da Força Aérea Brasileira Yago Gomes, 20, foi uma das vítimas do trânsito na BR. Ele trafegava no quilômetro 72 da rodovia, em frente a um posto de combustíveis, quando um caminhão que estava à sua frente saiu da pista sem dar seta. Ele, que estava de moto, atingiu a traseira do veículo.
O militar sofreu ferimentos na perna esquerda e ficou sentado no acostamento aguardando a chegada do resgate do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
Em todo o país, a BR-101 foi a rodovia federal com mais acidentes de novembro de 2022 a outubro de 2023, 11.337, o equivalente a 17% do total do Brasil em um ano, ainda segundo a CNT.
A BR tem gestão privada em cinco estados, dos quais em quatro as classificações são boas (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo e Rio de Janeiro). A exceção é São Paulo, com classificação geral regular.
Nos seis estados em que a gestão é pública, ela só é boa na Paraíba e em Alagoas. Em Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte e Bahia, a classificação é regular.
A CNT pesquisou 3.731 quilômetros da BR-101, dos quais 10,5% são ruins ou péssimos. Há predominância de trechos bons (43,2%), seguidos por regulares (30,8%) e ótimos (15,5%). São analisadas as condições de pavimento, sinalização e geometria da via.
A extensão total chega a quase 4.600 quilômetros, mas há trechos sobrepostos a outras rodovias, afirmou o executivo da confederação.
Nos finais de tarde, o cenário visto pela Folha no início do dia no Recife se repetiu, com o acréscimo de vendedores ambulantes no meio da pista, entre os carros, oferecendo água e salgadinhos de origem duvidosa.
A Folha de S.Paulo questionou o governo pernambucano sobre o que tem sido feito em relação às queixas na área urbana da rodovia no entorno do Recife, mas não houve resposta.
MARCELO TOLEDO / Folhapress