Móveis dos séculos 16 ao 21 narram as transformações da sociedade brasileira

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Criada em 1957 por Sérgio Rodrigues, a poltrona Mole foi o primeiro mobiliário brasileiro a entrar para o acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. A grande inovação de Rodrigues foi subverter a ideia de sentar ao desenhar uma poltrona que permite o relaxamento total do corpo, de acordo com Paulo César Garcez Marins, diretor do Museu Paulista da Universidade de São Paulo e curador da exposição “Sentar, Guardar, Dormir: Museu da Casa Brasileira e Museu Paulista em Diálogo”.

O item é um dos 159 móveis, produzidos entre os séculos 16 e 21, que estão em cartaz na mostra no Museu do Ipiranga, sede do Museu Paulista na capital. Os mobiliários são divididos pelas três ações humanas associadas a esses objetos, conforme o título da mostra. “Não é uma história do móvel apenas, mas é uma história da sociedade, dos corpos mediados por esses artefatos”, diz Marins.

No módulo dormir, a densidade de camas de madeira maciça contrasta com a leveza das redes. Apesar da predominância de versões centenárias desse móvel nessa seção, até o início do século 20, ele era incomum no país. Segundo o diretor da instituição, a população nacional era habituada a dormir nas redes, influência dos indígenas ainda usual no Norte e no Nordeste.

O centro do salão reúne um conjunto de mobiliário com diversas funções que pertenceu a Violeta Jafet, matriarca do Hospital Sírio-Libânes. Madeiras esculpidas, ornamentos de bronze, tampos de ônix verde e representações de Eros, deus grego do amor, refletem o luxo da elite paulistana do século 20.

Enquanto Violeta precisou de oito peças robustas para executar diferentes ações, Pedro Antônio da Silva Pimentel criou, em 1917, um móvel compacto multifuncional de araucária que pode ser usado como escrivaninha, penteadeira, banco e até cama, além de armazenar objetos. O item foi, possivelmente, utilizado por uma companhia de circo que precisava de se mover com frequência, relata Marins.

O módulo guardar também tem objetos que indicam uma população itinerante, como arcas de madeira e ferro que tinham argolas para serem carregadas. “Quando essas caixas perdem as argolas e começam a ganhar pé, a gente vê que essas populações estão se sedimentando e estão usando os espaços domésticos não apenas como abrigo, mas também como espaços de sociabilidades”, afirma Maria Aparecida Borrego, vice-diretora do Museu Paulista e curadora da exposição.

Outra mudança dos móveis com o tempo foi o surgimento de gavetas e a categorização de objetos. Foi o que ajudou a Maria Teodora Voiron, madre superiora do Convento e Colégio do Patrocínio de Itu, no interior paulista, a realizar seu “milagre”.

Após a morte de Voiron, a cômoda-papeleira dela estava à venda para custear reformas urgentes no convento. Quando um perito foi avaliar a peça, encontrou um fundo falso com moedas de ouro e um bilhete dizendo para as irmãs gastarem o dinheiro em futuras reformas. O achado faz parte da justificativa enviada ao Vaticano para a beatificação da madre.

O módulo sentar, por sua vez, reúne dezenas de cadeiras, poltronas, bancos, esteiras e canapés feitos de diferentes materiais. Um deles é a tradicional palhinha, trazida da Índia pelos portugueses e amplamente adotada no Brasil devido à necessidade de uma trama que permitisse maior arejamento devido ao clima tropical, conta Borrego.

Mas nem todos os móveis foram escolhidos por influência da temperatura. A adoção dos sofás, por exemplo, são reflexo da mudança da forma de sentar. “No caso da colonização europeia, como nós tivemos 800 anos de domínio muçulmano e árabe em Portugal, a gente tem a forma de sentar com as pernas cruzadas [no chão]”, diz a curadora. Entretanto, com a chegada de viajantes europeus no século 19, a postura era lida como incivilizada e as mulheres ricas passaram a se sentar em marquesas e canapés.

“A forma da gente se sentar foi aprendida, nem sempre foi assim. Então, a exposição procura mostrar justamente essa diversidade que nós temos de formas de peças de mobiliário, dessa diversidade do que é o nosso país e dessas diferenças sociais”, afirma Borrego.

SENTAR, GUARDAR, DORMIR: MUSEU DA CASA BRASILEIRA E DO MUSEU PAULISTA EM DIÁLOGO

Quando Ter. a dom. e feriados, das 10h às 17h. Até 29 de setembro

Onde Museu do Ipiranga – r. dos Patriotas, 100, São Paulo

Preço R$ 30. Grátis às quartas e no primeiro domingo do mês

LORENA MARCELINO / Folhapress

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