Movimento ‘delulu’ seduz jovens ao incentivar pensamento positivo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “100% obcecada em mim”, “romantizar a sua vida”, “fingir até acreditar”. Essas são algumas das frases que circulam nos vídeos sobre como é ser “delulu”. O termo vem da palavra delusional (delirante, em português) e significa aderir a uma mentalidade otimista.

O objetivo é funcionar como uma espécie de lei da atração, em que ao pensar coisas positivas, você atraia coisas boas.

É como se fosse um treinamento da mente em que a pessoa produz um determinado tipo de pensamento e não permite que ideias aleatórias invadam sua consciência, explica Karen Vogel, psicóloga e professora na The School of Life, organização global referência no desenvolvimento e na aplicação do autoconhecimento.

Segundo o Google Trends, nos últimos 12 meses cresceu o interesse de buscas pelo termo delulu ao redor do mundo. Em 2023, as pesquisas por esse assunto cresceram 20 vezes em relação ao ano anterior.

Delulu é comum em comunidades de fãs, como no k-pop, estilo musical da Coreia do Sul, em que as fãs usam o termo para descrever quando o amor pelo artista ultrapassa os limites da realidade e se torna fantasioso, como acreditar que vão se casar com o cantor ou namorar com ele.

No entanto, delulu estourou essa bolha e chegou ao TikTok. A gerente de vendas e criadora de conteúdo, Jasmine Cowell, 30, por exemplo, compartilhou na rede social sua experiência em ser “delulu das ideias”.

“A partir do momento em que você é tão desiludida a ponto de acreditar que nada vai abalar sua vida e que você vai sim alcançar qualquer coisa que você imagina, qualquer barulho externo que vá contra essa ideia, você simplesmente não escuta”, diz Jasmine em um vídeo publicado na plataforma.

Ela afirma que usa essa mentalidade no seu trabalho, como quando vai conversar sobre orçamento. “Coloco o valor de acordo com o mercado, mas antes existia aquela voz na cabeça dizendo: ‘ninguém vai te pagar esse valor’. Pensando delulu, eu falo, eu consigo”, diz Jasmine.

Para ela, a ideia de ser delulu é não colocar nenhuma limitação em relação à sua vida. “Se não está no meu controle ou se não acontecer, está tudo bem. Eu não vou ficar remoendo aquilo que não deu certo”, diz.

A estudante de história Dulce Barcelos, 22, também faz parte desse movimento. “Eu fui fazer uma entrevista de emprego e não passei. Não consegui porque vai acontecer algo melhor ou porque se eu insistisse nisso, a minha vida ia levar um outro rumo. É essa a forma de reagir às coisas de um modo positivo. Imaginando que coisas melhores estão por vir”, diz Dulce ao explicar como aplica a mentalidade delulu na sua rotina.

A jovem afirma que sofria muito quando as coisas não saíam como planejado, mas observou que depois de um tempo, algo muito melhor acontecia e só ocorreu porque aquela primeira coisa deu errado. “Foi quando tive certeza de que às vezes não é a melhor opção sofrer quando as coisas saem do nosso controle”, diz Dulce.

Além disso, ela afirma que romantizar sua vida está interligado com o pensamento delulu. “Envolve se fazer presente no momento. Então, vou tomar meu café com calma, vou arrumar meu prato bonito, tirar uma foto, vivenciar aquele momento”, diz Dulce.

Apesar disso, Dulce afirma que toma cuidado para não cair na armadilha da positividade tóxica, em que acaba reprimindo sentimentos considerados ruins, como tristeza ou raiva, e afirma que há realidades que não podem ser romantizadas.

“Lembro de um comentário no meu vídeo que me marcou muito. A moça disse: ‘como posso romantizar minha vida se acordo às cinco da manhã, sou mãe solteira, tenho dois filhos e trabalho o dia inteiro?’ Precisamos pensar sobre isso também”, diz Dulce.

A psicóloga Mariângela Savoia alerta que ao adotar o pensamento delulu é perigoso fingir que está tudo bem e não aceitar que podemos ter sentimentos ruins. “Faz parte da vida sentir coisas negativas e é preciso aprender a regular as emoções, em vez de negá-las.”

Para Vogel, aprender com as frustrações é o que nos ajuda a lidar melhor com determinadas situações. “Se estou criando uma realidade paralela onde isso não existe, estou criando uma irrealidade e vivendo um conto de fadas”, diz a psicóloga.

Vogel afirma que é necessário entender por qual motivo a pessoa adere a mentalide delulu e se questionar: será que na minha vida há algo que não quero enxergar?

“Não como uma crítica, mas para entender se ela não está evitando a realidade dela. Será que a realidade dela é tão ruim que precisa fingir outra?”, diz Vogel.

Savoia afirma que não basta apenas pensar que as coisas vão dar certo ou ficar na expectativa de que isso vai acontecer, é preciso agir.

“Quando as coisas dão certo, você pode pensar que foi por conta da força do seu pensamento. Não foi, foram suas ações que o levaram até lá. O pensamento por si só não o leva a lugar nenhum. São apenas suas ações que o fazem alcançar determinados objetivos”, diz Savoia.

VITORIA PEREIRA / Folhapress

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