BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A MP (medida provisória) do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para baixar a conta de luz em pelo menos 3,5% em 2024 pode levar o consumidor a arcar com um custo ainda maior no futuro.
A minuta do texto, obtida pela Folha de S.Paulo, também autoriza que investimentos do setor de energia sejam revertidos para redução de tarifa.
O texto é defendido pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) e deve ser assinado por Lula nesta terça-feira (9), a despeito de resistências de outros setores do governo.
Em um dos principais pontos, a MP antecipa recursos que a Eletrobras precisaria pagar nos próximos anos à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que custeia subsídios a consumidores e geradores de energia.
O repasse foi uma contrapartida à privatização da empresa, aprovada em 2021.
O uso da antecipação, calculada em R$ 26 bilhões, proporciona um alívio na tarifa no curto prazo, mas reduz o ingresso de recursos na conta no futuro –o que, sem revisão no tamanho desses subsídios, gera pressão por reajustes mais salgados para bancar a fatura dos próximos anos.
Representantes do setor afirmam que é como pegar um empréstimo para pagar a fatura estourada do cartão de crédito. Lá na frente, a dívida precisará ser quitada com juros.
Procurada, a pasta de Silveira afirmou que a MP trata de questões pontuais e que “estão em análise pelo MME soluções estruturantes para redução das tarifas”.
O texto autoriza que investimentos a serem feitos por concessionárias de energia, principalmente na revitalização de rios e na redução de custos de geração na Amazônia Legal, sejam redirecionados a cortes de tarifa –uma cobrança de Lula para reverter a queda da popularidade.
Essas obrigações foram criadas na época da privatização da Eletrobras por meio de jabutis ao projeto e não são considerados investimentos mais eficientes.
Outro trecho do texto ainda prorroga o prazo para que projetos de energias renováveis ganhem desconto no uso do sistema de transmissão de energia, uma ampliação de subsídio que pode custar R$ 6 bilhões e também recairá sobre o bolso consumidores nos próximos anos.
Em troca, as empresas precisam aportar uma garantia correspondente a 5% do valor estimado do empreendimento –que será executada caso as regras da MP não sejam cumpridas pelas companhias.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Silveira afirmou que o corte na conta de luz em 2024 pode ser até maior e chegar a 5,5%.
Segundo ele, os dois pontos percentuais a mais de alívio seriam garantidos por meio de aproximadamente R$ 10 bilhões do total de R$ 26 bilhões em recursos da Eletrobras a serem securitizados.
“Isso aí vai ser de forma estrutural. Vai durar muito tempo”, disse o ministro.
Uma ala dentro do Executivo alerta que o uso da antecipação dos recebíveis da Eletrobras para cortar a tarifa hoje será seguido de um aumento nos próximos anos e pode representar politicamente um “tiro no pé”.
Os recursos serão usados para quitar prestações de dois empréstimos feitos pelo setor elétrico em momentos de crise, a Conta Covid (que cobriu perdas com a queda no consumo na pandemia) e a Conta Escassez Hídrica (que bancou térmicas durante a seca de 2022). Sem a antecipação, esses pagamentos pesariam no bolso do consumidor.
Outras gestões tiveram experiência semelhante. No governo Dilma Rousseff (PT), uma série de medidas foram implementadas para reduzir o preço da conta de luz para os consumidores em 2013. Houve ainda uma tentativa de antecipar recebíveis de Itaipu, o que acabou não se concretizando.
O Tesouro acabou fazendo aportes diretos na CDE, que não se sustentaram. Na sequência, em 2015, um tarifaço mais que reverteu os ganhos e contribuiu para a deterioração da popularidade da petista.
Usar os recursos da antecipação da Eletrobras de forma espaçada, para suavizar reajustes tarifários que estão por vir, faria mais sentido na visão de parte dos técnicos e ajudaria a minimizar o impacto sobre a inflação, variável-chave para que o Banco Central continue a cortar a taxa de juros.
No entanto, o MME quer usar o recurso para emplacar uma redução imediata aos consumidores, atendendo a apelos do próprio presidente Lula por medidas que reduzam a conta de luz.
Para manter uma tarifa mais contida no futuro, o ministro também já defendeu usar recursos que a União receberá do pré-sal e até gastar fora do limite do arcabouço, mas disse que são apenas sugestões dadas por ele.
O governo discutiu também uma forma de a MP evitar a alta de 44% na conta de luz do Amapá, que já é uma das mais caras do país.
Como mostrou a coluna Painel S.A., da Folha de S.Paulo, um acordo entre Lula, Silveira e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) garantiu um arranjo para equacionar os custos da distribuidora Equatorial sem necessidade de reajuste.
Técnicos do governo e representantes do setor criticam o fato de a MP não atacar o problema estrutural do custo da energia no Brasil, que é o tamanho da fatura bancada pela CDE. Hoje, a conta é paga integralmente pelos consumidores por meio da tarifa de energia elétrica.
O texto também dá mais 36 meses para a conclusão de projetos eólicos e solares aptos a ter descontos no uso do sistema de transmissão.
Trata-se de um estoque de projetos com capacidade de geração de 88 GW (gigawatts), cujas obras ainda não foram iniciadas por dificuldades de conexão à rede, segundo o governo.
Técnicos do Executivo e especialistas do setor, porém, alertam que não há demanda para parte desses projetos, que, ainda por cima, estão longe dos grandes centros, demandando novas linhas de transmissão.
Por isso, se saírem do papel, ainda vão encarecer a conta de luz. Como mostrou a Folha, o impacto pode ser de R$ 6 bilhões.
Há ainda o temor de que a MP seja usada por congressistas como veículo para emplacar o lobby de outros grupos dentro do setor energia, ligados ao gás ou à energia eólica.
Silveira disse que os subsídios estão sendo discutidos de forma mais ampla com os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil), mas que ainda não há uma definição sobre quais itens atacar.
“[Foi] um brainstorm, uma série de ideias. Agora, como nenhuma delas é concreta, especular é muito ruim para esse mercado porque cria instabilidade”, afirmou.
“É bom ressaltar que isso [revisar os subsídios] é um hábito de muita coragem, porque sempre foi uma festa do boi gordo colocar subsídio na conta do consumidor e só colher bônus de empreendimentos subsidiados. Esse assunto foi jogado para debaixo do tapete nos últimos anos e hoje a conta de luz tem uma série de subsídios que deixa ela cara”, disse.
IDIANA TOMAZELLI, FÁBIO PUPO E JOÃO GABRIEL / Folhapress