MP-SP contraria juiz e pede fim de ação que levou à censura de panfleto crítico a Nunes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério Público de São Paulo pediu o encerramento do processo no qual o juiz eleitoral Paulo Eduardo de Almeida Sorci alegou uma suposta “manifestação excessiva da liberdade de expressão” para determinar o fim da distribuição de panfletos críticos à gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP).

Em sua decisão, o juiz também usou um precedente contraditório para justificar o impedimento da entrega dos impressos.

Os panfletos tinham a forma de jornais tabloides e traziam reproduções e informações de reportagens de diferentes veículos de imprensa, como Folha de S.Paulo, UOL, TV Globo, G1 e Poder360.

Contrariando a posição do juiz, o promotor eleitoral Nelson dos Santos Pereira Júnior, afirmou que o material impresso “deve ser entendido como propaganda política partidária, autorizada, inclusive, com a utilização de recursos do Fundo Partidário”.

O processo na 2ª Zona Eleitoral da capital teve início a partir de uma representação do MDB, partido do prefeito. Nesse tipo de causa, o Ministério Público tem o dever de apresentar um parecer na condição de fiscal da correta aplicação da lei.

A decisão do juiz do começo deste mês foi invocada pela polícia para promover a detenção de mulheres que faziam a entrega do material.

Houve ainda determinação de busca e apreensão dos impressos na sede do PT na capital paulista —esse braço da decisão, porém, acabou depois sendo revogado pelo próprio magistrado.

Na decisão, o juiz chegou a reconhecer que os panfletos não veicularam fake news.

“Pelo conjunto das informações juntadas aos autos, ressalto que não foi verificada a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, tendo em vista que foram recortadas várias manchetes de diversos veículos jornalísticos e esses recortes foram acrescidos de comentários que, claramente, são de responsabilidade do editor do panfleto”, escreveu o magistrado.

Porém, no parágrafo seguinte, o juiz eleitoral afirmou que, por mais que o gestor público esteja sujeito a críticas dos acontecimentos em seu governo, “observo o conjunto do panfleto como uma manifestação excessiva da liberdade de expressão, configurando, assim, a presença do ‘fumus boni iuris’ [expressão em latim que quer dizer fumaça do bom direito]”.

Sorci não explicou na decisão o que seria uma “manifestação excessiva da liberdade de expressão”.

Esse argumento também não constou na petição inicial do MDB que pediu o fim da entrega dos impressos, que tem como base a alegação de propaganda eleitoral antecipada e manipulação ilegal do material jornalístico.

Em seu parecer com data de segunda-feira (10), o promotor eleitoral também não verificou situações de fake news nos panfletos.

“No caso, o panfleto distribuído continha matérias jornalísticas e algumas manchetes de diversos veículos (“Folha de S.Paulo”, “G1”, “Poder360”, “UOL” e “Brasil de Fato”), mas sem evidências de manipulação, até porque abordaram vários assuntos (saúde , moradores de rua, segurança, energia elétrica, asfalto, escolas e cemitérios), inclusive obras sem licitação”, escreveu.

De acordo com Pereira Júnior, nos impressos o PT exerceu sua liberdade de expressão de partido político.

“O conteúdo –obras públicas sem licitação– também não se mostrou inverídico ou colocado fora de contexto, pois tratado sob a ótica política do representado acerca do emprego de recursos públicos, diante das demandas da sociedade, o que deve ser recebido dentro da sua liberdade de expressão enquanto partido político, no exercício do debate de ideias.”

Assim, os panfletos configuraram propaganda partidária legal, segundo o promotor, que lembrou o fato de o material conter o nome do partido e do respectivo CNPJ, atendendo o disposto no artigo 242 do Código Eleitoral.

Por fim, Pereira Júnior pediu que a causa seja julgada improcedente.

O parecer agora deverá ser analisado pelo juiz Sorci, que deverá abrir prazo para a manifestação do MDB.

A reportagem procurou o magistrado por meio da assessoria de imprensa do TRE-SP, mas ele preferiu não se pronunciar.

CONTRADIÇÃO

Ao relatar a medida na decisão, o magistrado também havia invocado como precedente uma decisão do ano passado do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) que, todavia, tratava de um caso de fake news, o que ele mesmo admitiu não estar presente na situação dos panfletos distribuídos na capital paulista.

Um trecho da decisão do TRE-PA grifado por Sorci trazia o argumento de que “a liberdade de expressão é garantia constitucional para os embates políticos da cultura eleitoral e democrática, contudo, não é absoluta e lhes são desautorizados os excessos tendentes a dilapidar a imagem social de outro candidato com informações caluniosas, difamatórias ou injuriosas”.

Em sua decisão, porém, Sorci não mencionou a ocorrência de quaisquer situações de calúnia, difamação ou injúria. No entendimento do juiz, o panfleto com tiragem de 100 mil exemplares e “data incerta de abril de 2024” poderia desequilibrar a eleição e, por isso, era necessário determinar a imediata suspensão da sua distribuição.

Segundo a decisão, o material tinha o “potencial de influenciar a população” e poderia “macular a paridade entre os possíveis candidatos ao pleito vindouro, especialmente porque, além da extemporaneidade do ato de campanha, foi produzido em grande quantidade por partido de relevância nacional”.

A decisão foi usada pela polícia para justificar a detenção de cinco mulheres que distribuíam os panfletos na estação da CPTM de São Miguel Paulista (zona leste) e o encaminhamento delas ao 63º Distrito Policial de São Paulo na manhã de quarta-feira (5).

A Secretaria estadual da Segurança Pública disse, em nota, que elas prestaram depoimento e foram liberadas. O caso foi encaminhado para o 22º Distrito Policial (São Miguel Paulista), que investigará o caso em inquérito, segundo a pasta.

Especialistas em direito eleitoral haviam criticado a decisão do juiz.

Para Volgane Carvalho, professor da Unifor (Universidade de Fortaleza), “a ideia de excesso de liberdade de expressão está associada de modo inseparável à difusão de desinformação, principalmente a dados descontextualizados, ou seja, a uma informação que possui vieses e, não raro, se vale de má-fé”.

“Neste caso, o julgador reconhece que não há nada disso, logo não há medida a ser adotada pela Justiça Eleitoral”, completou.

Segundo Isabela Damasceno, presidente da comissão de Direito Eleitoral da OAB-MG, a decisão de Sorci foi “excessiva e desproporcional, considerando que, no caso concreto, os panfletos são apenas uma organização de matérias jornalísticas já publicadas e veiculadas para a população”.

Gabriela Rollemberg, advogada especialista em direito eleitoral, cientista política e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Público), afirmou à Folha de S.Paulo que nunca ouviu falar do argumento de “manifestação excessiva da liberdade de expressão”.

A advogada preferiu não se manifestar sobre o caso específico dos panfletos, mas lembrou que “as críticas severas são possíveis numa democracia, o que você não pode ter são mentiras ou antecipação de campanha”.

FLÁVIO FERREIRA / Folhapress

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