SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A advogada Natalia Szermeta, mulher do deputado federal e candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL), comprou um apartamento financiado pelo programa Minha Casa, Minha Vida em 2013, mas nunca morou nele.
Pelas regras, o titular do contrato precisa morar no imóvel enquanto durar o financiamento na Caixa Econômica Federal ou transferir a dívida antes da entrega das chaves.
A assessoria de imprensa de Boulos afirma que Natalia cedeu o imóvel ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) em 2014, um ano após a aprovação do financiamento.
O apartamento fica num prédio construído pelo movimento em Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.
Caberia à entidade indicar o novo beneficiário, mas o imóvel permaneceu no nome de Natalia até junho de 2024, quando foi doado formalmente a Solange Luiz da Paixão, após a quitação.
De acordo com a assessoria do deputado, Solange sempre viveu no imóvel e assumiu o pagamento das parcelas de R$ 35.
O UOL pediu a comprovação da tentativa de transferência, mas nem a assessoria de Boulos, nem o MTST a enviaram. Solange não quis falar com a reportagem.
Segundo a Caixa, ceder o imóvel de modo informal, sem transferência, pode ser considerado “descumprimento contratual”, com “devolução integral do subsídio concedido”.
Em email de abril de 2017, encaminhado ao UOL pela assessoria de Boulos, Natalia declara sua intenção de transferir o imóvel e solicita orientações ao banco:
“Recebi um apartamento no condomínio João Cândido A. (…) Mas preciso regularizar a situação. (…) Gostaria de formalizar uma doação do imóvel a alguém que esteja numa situação de maior necessidade. (…) Estou tentando há vários meses acertar isso, mas não há resposta por parte da Caixa. Peço então que possa me dar as orientações de como fazer isso (…).”
Newsletter Notícias do dia Receba diariamente de manhã no seu email as principais notícias publicadas na Folha; aberta para não assinantes. *** Ainda segundo a assessoria de Boulos, a resposta do banco só chegou em dezembro do mesmo ano e era inconclusiva.
Nela, a Caixa afirmava que não havia um procedimento para atender à solicitação e que seria necessário discutir com o FDS (Fundo de Desenvolvimento Social) do governo federal uma possível solução.
Diante da falta de uma posição do FDS para o pedido, o banco afirmava que, naquele momento, não poderia “realizar efetivamente a troca da beneficiária e a contratação com o novo beneficiário indicado”.
A Caixa informou que uma possível solução seria comunicada, mas não houve mais contatos.
Na assinatura do contrato, em abril de 2013, Natalia informou renda de R$ 700 e se declarou solteira.
Na época, ela já vivia com Boulos e as duas filhas em um sobrado alugado, também em Taboão da Serra.
De acordo com as regras do programa, ela pagaria R$ 35 nas prestações, e a Caixa subsidiaria um valor de R$ 597,67 –correspondente a 95% da parcela.
PROJETO DE MORADIA POPULAR
O apartamento de 55 m² fica no condomínio João Cândido A, financiado pela modalidade Minha Casa, Minha Vida Entidades, que atende cooperativas e movimentos sociais.
A entidade escolhida para comandar o projeto foi a Associação dos Moradores do Acompanhamento Esperança de um Novo Milênio, braço jurídico do MTST, que tinha Natalia como responsável pela área financeira.
É a associação selecionada que elabora o projeto, contrata a construtora e seleciona os futuros moradores.
Inscrita no programa Minha Casa, Minha Vida em 2008, Natalia foi contemplada em 2013.
Por ter comprovado a renda mínima, o que lhe garantiu o maior subsídio, ela se enquadrou na faixa 1 do programa, tendo de pagar 120 prestações de R$ 35 por um imóvel que valia, na época, R$ 75 mil. Hoje, o imóvel vale mais de R$ 130 mil.
CONDOMÍNIO ATENDEU FAMÍLIAS DE OCUPAÇÕES
Apesar de nunca ter sido mencionado por Boulos desde que o então coordenador nacional do MTST entrou formalmente para a política, em 2018, o apartamento que pertenceu a Natalia é usado como exemplo de sucesso pelo movimento.
O condomínio João Cândido atendeu famílias que participaram das ocupações Chico Mendes, iniciada em 2005, e João Cândido, de 2007, ambas organizadas pelo movimento.
Candidato a prefeito de São Paulo pela segunda vez, Boulos costuma reforçar que escolheu morar na periferia da cidade.
Filho de médicos, ele cresceu no bairro de Pinheiros, na zona oeste. O deputado iniciou a campanha eleitoral, na última sexta (16), em sua casa no Campo Limpo.
O parlamentar atendeu a imprensa após tomar o café da manhã ao lado de Natalia, da candidata a vice em sua chapa, a ex-prefeita Marta Suplicy (PT), e do marido dela, Márcio Toledo.
“São Paulo terá o primeiro prefeito que mora na periferia”, disse.
O imóvel é usufruído pela família desde dezembro de 2013, quando foi comprado por Marcos Boulos e Maria Ivete Castro Boulos, pais do parlamentar.
O apartamento em Taboão só ficou pronto um ano depois, quando a família do deputado já morava, portanto, em Campo Limpo.
Mas foi apenas em dezembro de 2022, dois meses após a campanha pela qual Boulos foi eleito deputado federal, que os pais de Boulos oficializaram a doação da casa, agora declarada à Justiça Eleitoral.
Boulos costuma dizer que escolheu morar no Campo Limpo porque a mulher nasceu e cresceu ali.
ADRIANA FERRAZ / Folhapress