MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Como presidente do Instituto Liberdade do Amazonas, uma entidade criada para representar familiares de presos, Luciane Barbosa Farias se reuniu com integrantes do Tribunal de Justiça e do MP Ministério Público do estado para tratar de denúncias de maus tratos a detentos do sistema prisional local.
A informação foi confirmada por integrantes da Promotoria e do instituto presidido por ela.
Luciene é mulher de Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, apontado como um dos líderes regionais do Comando Vermelho. A facção criminosa tem origem no Rio, mas se espalhou pelo país e atualmente tem presença e influência em diferentes estados amazônicos. Ambos negam ser integrantes de organizações criminosas.
As reuniões no Amazonas ocorreram no primeiro semestre de 2023, no mesmo período nos quais Luciene teve agendas em secretarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Lula (PT), em Brasília.
A informação sobre as agendas no ministério foi publicada pelo jornal O Estado de São Paulo. O ministro da Justiça, Flávio Dino, negou ter estado com a mulher na pasta. Ela também percorreu o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o Congresso.
Naquele momento, tanto Luciane quanto o marido contavam com uma decisão da Justiça do Amazonas de absolvição de acusações de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Na consulta aberta a autos no site do tribunal, não constam outros processos relacionados a Luciane.
Em 8 de outubro deste ano, a partir de um recurso apresentado pelo Ministério Público do Amazonas, a desembargadora Vânia Marques Marinho votou, em segunda instância, pela revisão da absolvição e pela condenação do casal.
Segundo o voto da desembargadora, Clemilson e Luciane tinham diversos carros -incluído um caminhão- e imóveis e estavam vinculados ao Comando Vermelho.
Ao primeiro cabia o papel de contabilizar e custear o processo de venda de drogas, e a mulher usava dinheiro do tráfico para custear despesas pessoais, segundo acusação levada em conta na decisão, que cita a compra de um salão de beleza e de um carro.
Investigação policial citada no processo apontou Clemilson como responsável por homicídios na condução de negócios do Comando Vermelho. Luciane era responsável por “acobertar a ilicitude do tráfico” ao comprar carros, apartamentos e abrir um negócio, segundo o relatório do voto na segunda instância da Justiça do Amazonas.
A condenação, no caso de Clemilson, foi a 31 anos e 7 meses de prisão. A mulher foi condenada a dez anos de prisão. O primeiro está preso preventivamente. Luciane recorre em liberdade.
O Instituto Liberdade foi criado por Luciane em 2022, ano em que ela intensificou a atuação em nome de familiares de detentos inseridos no sistema prisional do Amazonas.
O instituto passou a reunir denúncias sobre vistorias vexatórias em mulheres e crianças, mesmo com a existência de aparelhos de raio-x para análises em visitantes aos presídios. Também havia acusações de tortura, maus tratos, falta de alimentos e doenças entre os detentos.
Os encontros com integrantes do grupo de monitoramento carcerário do Tribunal de Justiça do Amazonas e com representantes da área de execução penal do Ministério Público se deram nesse contexto.
“Houve manifestação na porta do fórum, e ela e outras representantes de associações foram recebidas pelo grupo de monitoramento carcerário do TJ [Tribunal de Justiça]”, afirma Camila Guimarães, responsável pela área jurídica do Instituto Liberdade.
Luciane também esteve em reuniões na área de execução penal da Promotoria, segundo a integrante do instituto.
Sobre a condenação em segunda instância, Guimarães afirma que é a única existente em relação à presidente do instituto, que nega as acusações.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Amazonas afirmou que o grupo de monitoramento carcerário foi criado em cumprimento a uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), “ciente de seu dever perante a política carcerária”. “Dentre as suas inúmeras atribuições, cabe ao grupo receber representantes de associações, institutos e outras entidades ligadas ao sistema.”
Foi nesse sentido, segundo o tribunal, que Luciane participou da reunião. “Recebeu-se, em reunião com várias outras entidades, Luciane Farias, na condição de presidente do Instituto Liberdade, como o grupo faria com qualquer outra instituição cuja finalidade é aprimorar o sistema carcerário em vislumbre aos preceitos constitucionais e legais”, cita a nota.
No começo deste mês, Luciane participou, em Brasília, do Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura. Todos os participantes tiveram as despesas com passagens pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a partir do orçamento dos comitês, que têm autonomia administrativa e financeira.
A participação da mulher no evento do ministério foi indicada por órgão vinculado ao governo do Amazonas. O Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura é vinculado à Secretaria Estadual de Direitos Humanos. Os indicados ao comitê ainda não foram nomeados, segundo o governo do Amazonas.
Participantes do evento dizem que o episódio vem servindo para a criminalização dos movimentos de familiares de presos em defesa de condições dignas nos presídios brasileiros. Estavam no encontro do ministério diversas associações, tocadas por familiares que não são processados na Justiça, segundo participantes ouvidos pela reportagem.
Luciane se inscreveu, via edital, para participar do comitê estadual de enfrentamento à tortura, conforme o Instituto Liberdade. Foram três os selecionados, e por isso ela foi a Brasília para o encontro sobre prevenção e combate à tortura, conforme o instituto.
Em entrevista coletiva na terça (14), ela afirmou que levou ao Ministério da Justiça a pauta do sistema prisional e que não esteve na pasta comandada por Flávio Dino para tratar sobre o marido.
“Levei um dossiê sobre as mazelas do sistema prisional e entreguei”, afirmou.
“Não sou faccionada”, disse. “Meu esposo está pagando pelo crime dele, mas somos criminalizados por ser familiar de preso. Vou continuar a fazer o meu trabalho. Sou brasileira, cidadã, não estava impedida de entrar em lugar nenhum, tenho direito de ir e vir.”
VINICIUS SASSINE / Folhapress