SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mulheres brancas têm mais êxito em assumir cargos no alto escalão de empresas do que qualquer outro grupo sub-representado no ambiente corporativo, como pessoas negras, LGBTQIA+ e com deficiência.
É o que mostra um levantamento feito pelo Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) em parceria com a Rede Brasil do Pacto Global, que será apresentado nesta quarta (14) durante o evento Rio Innovation Week.
As entidades aplicaram um questionário online entre os dias 8 de abril e 5 de junho, que recebeu respostas de 128 empresas sobre iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. Os resultados indicam, entre outros achados, que as mulheres brancas saem mais favorecidas das políticas adotadas nessa área.
Em pergunta sobre quais grupos minorizados estão presentes na alta liderança (cargos “C-Level”), 63% das empresas responderam ter mulheres brancas em posições executivas. Isso é mais que o dobro da quantidade de empresas que responderam ter mulheres negras no comando (30%), grupo que aparece em segundo lugar.
Cerca de 22% das organizações afirmaram ter homens negros no alto escalão, seguido por pessoas LGBTQIA+ (19%) e pessoas com deficiência (10,2%).
No conselho administrativo, elas abrem ainda mais vantagem em relação aos outros grupos. Mulheres brancas estão presentes no conselho de 53% das companhias respondentes, seguidas por mulheres negras, com 8%.
O levantamento buscou mapear práticas de diversidade e inclusão existentes no meio corporativo, além de identificar desafios nesta agenda e propor melhorias. A maior parte das organizações que responderam o questionário tem mais de 500 funcionários (56%) e receita anual bruta acima de R$ 300 milhões (53%), ou seja, são consideradas grandes empresas.
Para Cida Bento, colunista da Folha e conselheira do Ceert, um dos destaques do levantamento foi mostrar que, quando as empresas dizem estar trabalhando equidade de gênero, elas estão falando de inserção ou ascensão de mulheres brancas. Segundo ela, processo semelhante aconteceu nos Estados Unidos.
“Quem mais se beneficiou durante um longo tempo foram as mulheres brancas, porque o homem branco é o grande chefe nas grandes organizações. Então, se ele abre a porta da empresa e vê uma fila com negros, indígenas, pessoas com deficiência, quem vai entrar primeiro? Aquela que parece com a mãe dele, com a irmã, com a namorada”, comenta.
Bento afirma que é comum ser chamada para auxiliar companhias em temas de diversidade e ouvir que a questão de gênero já melhorou. “É algo importante, mas precisamos dar nome aos bois. Quem está entrando e ascendendo é a mulher branca.”
Aspecto semelhante é mencionado por Carlo Pereira, CEO do Pacto Global no Brasil. Segundo ele, o levantamento indica que a promoção de pessoas negras nessas instituições segue estagnada.
“Apesar de revelar um cenário ainda complexo, difícil, no sentido de apresentar muitas discrepâncias, ausências, e muito a ser percorrido, a pesquisa nos indica caminhos. Quando você tem dados, é possível traçar metas”, afirma.
No entanto, Bento pondera que o levantamento indica algum avanço do tema racial, o que seria resultado da forte pressão de movimentos sociais, principalmente de mulheres negras.
Segundo a especialista, nos anos 1990, pesquisas mostravam que o público principal de ações afirmativas no Brasil eram mulheres e pessoas com deficiência.
Agora, o levantamento do Ceert e do Pacto Global indica uma possível mudança. Uma das perguntas buscou entender para quais grupos minorizados as iniciativas corporativas eram direcionadas.
Mulheres seguem no topo da lista, com quase 80% das empresas dizendo ter ações afirmativas sobre gênero. Mas, logo em seguida, aparecem as pessoas negras, com 70% das companhias adotando medidas voltadas a esse grupo.
Pessoas com deficiência (54%), pessoas LGBTQIA+ (52%) e acima de 50 anos (31%) fecham as cinco primeiras posições.
DESAFIOS NA PROMOÇÃO DA INCLUSÃO
As companhias também foram questionadas sobre quais barreiras enxergam no desenvolvimento de práticas de diversidade. O engajamento de lideranças aparece em primeiro lugar, com 57% das organizações apontando este como o principal desafio.
Em seguida vêm recrutamento de pessoas com deficiência (54%), recrutamento de pessoas negras (43,8%) e promoção de pessoas negras (42,2%).
As companhias também disseram que o principal desafio apresentado pela alta liderança nesse tema é a não priorização, problema mencionado por 51% dos respondentes. Baixo engajamento da presidência e diretoria foi apontado por 40% das companhias.
Bento enxerga nessas respostas uma mudança interessante de comportamento. Se antes a principal dificuldade mencionada pelas empresas era não encontrar negros e outras minorias com as habilidades necessárias para determinada função, agora o desafio parece ser mais interno que externo.
“Uma coisa é dizer que o problema está no grupo excluído. Outra é olhar para dentro e falar ‘precisamos trazer as mais altas lideranças [para o tema], senão isso não avança'”, afirma.
Na avaliação de Ana Bavon, CEO da B4People, consultoria de inteligência em direitos humanos, os resultados indicam que a agenda ainda não foi totalmente incorporada às estratégias de negócio por desconhecimento dos seus impactos e dimensões.
Segundo ela, o levantamento sugere que os responsáveis pela área de diversidade e inclusão nas empresas focam mais em letramentos e comportamentos individuais, deixando de investir em planejamento e projetos estruturais.
“Por exemplo, a implementação de políticas institucionais específicas para o avanço de mulheres negras sem o patrocínio da alta liderança e sem qualquer tentativa de criar a adesão dos funcionários provavelmente produzirá uma reação adversa”, diz.
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress