Mulheres CEOs se dividem entre maratonas e planilhas de supermercado, sem ‘Deus me livre’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era abril de 2005. Cristina Palmaka –hoje CEO da multinacional de softwares SAP para a América Latina e Caribe– fez uma proposta ao marido, Luiz De Luca, durante a maratona de Boston, nos Estados Unidos. “Se eu engravidar logo, vou poder participar da maratona de Nova York em novembro do ano que vem”, disse ela, uma aficionada por corrida de rua, assim como De Luca.

Katarina nasceu em março de 2006, oito meses antes de a mãe participar de uma nova corrida de 42 quilômetros. “Nosso planejamento deu certo”, brinca De Luca, 63, casado com Cristina, 57, há 27 anos, os últimos 11 anos sendo ela presidente da SAP –primeiro no Brasil, e agora na América Latina e Caribe.

“Cris sempre foi uma mãezona, tanto que a Katarina só teve babá no primeiro mês de vida, porque a Cris não gostou de algumas coisas, como dar chupeta para a bebê. Desde então, nós dois nos revezamos nos cuidados com ela”, diz De Luca, referindo-se à única filha do casal, atualmente com 18 anos e estudante de psicologia.

“Tenho orgulho do lugar que a Cris ocupa, e principalmente pelo fato de ela fazer o que gosta”, diz De Luca, ex-CEO da GE no Brasil, hoje conselheiro de empresas.

Já na casa de Danilo Alves, 40, e Gabrielle Carlos, 43 –presidente no Brasil da fabricante de produtos para o setor óptico Zeiss Vision– não tem crianças. Mas o controle está presente nos detalhes. “Gabi tem planilhas em Excel para as compras de supermercado, sabe o que está faltando e tem notas fiscais online de tudo”, diz Alves, executivo do mercado financeiro.

“Ela toma nota de todas as coisas, sabe quando é o aniversário de todo mundo na família, agenda os encontros, tem tudo sob controle”, diz ele, que tem dois filhos do primeiro casamento.

“Nós não temos filhos juntos, mas a Gabi cuida de todos o tempo todo. É do tipo que liga para saber se o sobrinho melhorou da gripe”, diz ele, que só reclama da organização da esposa nas férias. “Ela quer agendar hora para os passeios, mas só concordo em adotar um compromisso por dia. Eu a forço a relaxar nas férias.”

Cristina e Gabrielle fazem parte do time de mulheres que dirigem empresas no país ou no exterior, as CEOs –um grupo que ganhou os holofotes na última semana, após declarações misóginas de um empresário especializado em educação executiva.

Na quinta (19), Tallis Gomes, fundador do G4 Educação, fez um post no Instagram em que dizia “Deus me livre de mulher CEO”, porque, segundo ele, ao dirigir uma empresa isso as afasta dos cuidados com a casa, os filhos e o marido, além de colocá-las em um “processo de masculinização”. Disse que o homem deve “bancar” a mulher, para que ela coloque sua “energia feminina” nos “lugares certos, lar e família.”

Na sequência da repercussão negativa das declarações, que foram rechaçadas inclusive por executivas de sucesso como Luiza Trajano, do Magalu, e Chieko Aoki, do Blue Tree Hotels, Gomes deixou a presidência do G4 Educação e foi excluído do conselho de administração da Hope. Ele pediu desculpas pela postagem.

“Pensar que é ruim ter uma mulher CEO significa que você quer ser âncora da sua mulher, deixá-la estagnada, impedi-la de se desenvolver no que ela quiser”, diz Luiz De Luca. Danilo Alves concorda e vê o machismo estrutural em falas desse tipo. “Em alguns setores, como o financeiro, essa visão infelizmente ainda é comum.”

“Que bom que essas declarações geraram tamanha repercussão. Isso mostra que o mundo está em outro patamar”, diz a psicóloga Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional e sócia da consultoria em gestão BTA Associados. “As mulheres podem estar onde elas escolherem estar.”

A especialista acompanha o tema da gestão feminina nas empresas há 30 anos, inclusive promovendo pesquisas entre o alto escalão das organizações. Segundo ela, é preciso olhar o “filme” e a “foto”. “O filme, a trajetória das mulheres, mostra um avanço surpreendente. Mas a foto, o momento atual, ainda indica o quanto ainda é preciso evoluir.”

MULHERES NO ALTO ESCALÃO SE SENTEM EM DÍVIDA

O levantamento mais recente da BTA, ao qual à Folha teve acesso com exclusividade, dá pistas sobre as mulheres no escalão. Em junho, foram ouvidas 126 executivas, em cargos de CEO, diretoria e membros do conselho de administração de empresas de grande porte.

A pesquisa é probabilística, em um universo de executivas que ocupam estes cargos em empresas de grande porte no Brasil –com faturamento acima de R$ 250 milhões e mais de mil funcionários.

De acordo com o levantamento, 75% delas trabalham entre 8 e 12 horas por dia, 78% delas têm até dois filhos, e 71% se mantêm conectadas com o trabalho no fim de semana –seja respondendo emails ou atendendo o celular.

A pesquisa também comparou a resposta das executivas com a de homens nos mesmos níveis hierárquicos. Enquanto 28% delas dizem que tiveram dificuldade em desenvolver a carreira por causa do gênero, apenas 1% dos homens afirmou o mesmo. No que se refere a subir na hierarquia das organizações, 31% delas disseram ter tido dificuldade por serem mulheres –uma realidade vivida por apenas 3% dos homens entrevistados.

No que se refere à maternidade, 24% afirmaram que a carreira foi afetada negativamente por terem filhos, algo que só ocorreu com 4% dos homens.

88% das mulheres dizem se sentir felizes com as respectivas carreiras, um índice maior que o dos homens (84%).

“É muito forte entre elas o orgulho em fazer a diferença na empresa [resposta de 93%] e na sociedade [84%]”, diz Betania. Por outro lado, 79% sentem um alto nível de ansiedade, 71% se preocupam com a própria saúde, 66% sentem estresse e 59% têm uma sensação de dívida.

“As executivas têm uma sensação de dívida permanente —é como se elas nunca fossem boas o suficiente”, diz a especialista. “Em parte essa cobrança vem da maternidade: por pressão social, elas sentem que o sucesso dos filhos depende em grande parte delas.”

Por outro lado, apontou o levantamento, o que menos tira o sono das executivas são questões relacionadas a poder dentro das companhias –um tema mais caro aos homens, segundo Betania. “Uma possível aposentadoria ou demissão, ficar estagnada ou perder prestígio são coisas que incomodam muito menos elas do que eles.”

*

O que te faz perder o sono?

Pesquisa com 126 executivas em cargo de presidência, diretoria ou membro do conselho de grandes empresas no Brasil

Motivo – % SIM – % NÃO

Ansiedade – 79 – 21

Minha saúde – 71 – 29

Estresse – 66 – 34

Desequilíbrio entre vida profissional e pessoal – 48 – 52

Carga de trabalho – 44 – 56

Empregabilidade – 35 – 65

Perda de prestígio – 27 – 73

Estagnação na carreira – 26 – 74

Possível demissão – 17 – 83

Possível aposentadoria – 12 – 88

Fonte: BTA Associados

O QUE TE FAZ PERDER O SONO?

Pesquisa da BTA com 126 mulheres em cargos de presidência, diretoria e membro de conselho (respostas espontâneas)

– Vontade de estar mais com a família. E não conseguir conciliar a minha vida pessoal com a carreira

– Saúde da minha família

– Problema grave de saúde na família, onde não sou capaz de resolver ou apoiar como gostaria

– Me sinto devendo para a minha família

– Problema no trabalho e em casa

– Trabalhar em uma empresa cujos valores não estejam alinhados aos meus

– Falta de comprometimento dos funcionários

– Menor qualidade de vida

DANIELE MADUREIRA / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTICIAS RELACIONADAS