SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mulheres e jovens têm mais transtorno de ansiedade que a média da população brasileira. Enquanto 21% dos brasileiros já teve diagnóstico de transtorno de ansiedade ao longo da vida, esse índice sobe para 27% entre mulheres, quase o dobro da prevalência entre homens (14%).
Entre jovens de 16 a 24 anos, 24% tiveram diagnóstico de ansiedade, dado que se repete entre jovens adultos de 25 a 34 anos, mas que cai para 16% entre brasileiros com mais de 60 anos.
Os dados são de pesquisa inédita do Datafolha que investigou a saúde mental dos brasileiros e revelou que 7% avaliam sua saúde mental como ruim ou péssima. Entre mulheres, o índice vai a 9% e, entre jovens de 16 a 24 anos, chega a 13%.
Os números sugerem que pessoas do sexo feminino e jovens estão mais suscetíveis a questões de saúde mental que outros grupos. A explicação, segundo psiquiatras ouvidos pela Folha, é multifatorial e envolve questões biológicas, psicológicas, sociais e culturais, como o fato de mulheres e jovens terem, em geral, mais facilidade de tratar abertamente de um tema ainda carregado de estigmas.
“Pesquisas são fundamentais para romper estigmas que ainda existem quando o assunto é saúde mental”, afirma o psiquiatra Christian Kieling, professor do departamento de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O principal deles é a ideia de que a ansiedade ou a depressão é culpa da pessoa que está passando por isso, como se fosse uma escolha ou uma fraqueza. Em questões de saúde física, isso não ocorre porque a gente entende que a pessoa não escolheu passar por essa situação.”
Foi esse tipo de estigma que fez o gerente de mídias sociais Lucas Olival, 29, guardar segredo sobre suas angústias e começar um atendimento psicológico para ansiedade sem o conhecimento de sua família e amigos.
“Eu tinha vergonha de admitir até para mim mesmo que estava perdendo uma luta e precisava de ajuda. Mas o que aconteceu quando procurei ajuda foi perceber que eu poderia achar ferramentas dentro de mim para conseguir lidar com aquilo”, conta.
“Hoje em dia, falo abertamente sobre isso. E acho que as redes sociais amplificaram vozes que tratam de saúde mental, o que gera empatia e ajuda as pessoas a perceberem que elas não estão sozinhas e que ter ansiedade ou depressão não é o fim do mundo”, avalia ele, que hoje cria memes sobre saúde mental no perfil no Instagram @odebosh.
Redes sociais são uma espécie de faca de dois gumes quando o assunto é saúde mental da juventude.
O governo dos EUA emitiu, em junho deste ano, um comunicado oficial sobre a influência do uso de mídias sociais sobre a saúde mental de jovens. O documento afirma que pesquisas científicas indicam que, embora possam trazer benefícios, “há amplos indicadores de que as mídias sociais também podem prejudicar a saúde mental e o bem-estar de crianças e adolescentes”.
O psiquiatra Pedro de Alvarenga, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, afirma que o uso de telas e de mídias sociais pode estar influenciando na atenção dos jovens. “Se compararmos com dados de uma ou duas décadas atrás, encontramos um aumento da incidência de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e sintomas desatencionais que podem estar relacionados ao abuso de telas”, explica ele, para quem a melhor compreensão do transtorno também tem promovido um aumento dos diagnósticos.
A pesquisa do Datafolha aponta que 11% dos jovens de 16 a 24 anos receberam diagnóstico de TDAH contra 8% da média populacional do Brasil. Entre mulheres jovens, o índice sobe ainda mais e bate 14%. Sentir dificuldade de concentração em atividades como ler e ver TV é comum para 23% dos jovens nessa faixa etária.
“As mídias sociais podem favorecer o cyberbullying, o medo de ser cancelado, o FOMO [“fear of missing out”, ou medo de perder algo, na sigla em inglês] e comparações que levam a sentimentos de menos valia, rejeição e ansiedade. Isso pode estar aumentando a taxa de sofrimento emocional entre jovens”, afirma Alvarenga.
A atriz e tiktoker manauara Evelyn Felix, 24, que viralizou ao filmar seu rosto durante crises de ansiedade, acha que o uso de redes sociais pode ajudar ou adoecer.
“Eu me flagro me comparando com outras mulheres jovens tanto física como profissionalmente, e isso me deixa muitas vezes frustrada, ansiosa e deprimida”, admite.
Mulheres jovens, como ela, estão ainda mais pressionadas, segundo o Datafolha. Elas se sentem mais ansiosas (55%), dispersas (22%), deprimidas (19%) e fracassadas (18%) do que seus pares do sexo masculino, para os quais esses índices são de 26%, 20%, 5% e 8%, respectivamente.
Entre as mulheres de todas as faixas etárias essas diferenças também são marcantes. Elas relatam se sentir mais ansiosas (38%), dispersas (23%), deprimidas (13%) e fracassadas (12%) do que homens (23%, 16%, 7%, 7%, respectivamente) ou que a média da população brasileira (32%, 20%, 10%, 9%, respectivamente).
“Em torno da puberdade, as meninas começam a ter mais depressão do que os meninos. E, na vida adulta, ansiedade e depressão são mais frequentes entre mulheres em diferentes culturas e regiões do planeta”, explica Kieling, da UFRGS.
Segundo ele, a hipótese mais aceita é que as mulheres estão mais expostas, desde a puberdade, a situações de abuso, maus tratos e negligência. “E esses são fatores de risco para depressão e ansiedade.”
Junta-se a isso as alterações biológicas, de caráter hormonal, e os fatores culturais e sociais que fazem das mulheres um grupo social mais vulnerável.
“A mulher hoje está extremamente sobrecarregada. Ela tem de ser tudo: bonita, boa mãe, dar conta das tarefas domésticas, se inserir no mercado de trabalho e ter vida sexual ativa. Tamanha pressão pode levar a condições de estresse e inflamação que estão associadas ao desenvolvimento de depressão e ansiedade”, afirma o psiquiatra Alvarenga.
Gabriela Schmidt, 41, conhece esse enredo. Separada, mãe de uma menina de 4 anos, a executiva comercial se esforça para equilibrar a carreira e a pressão para estar disponível o tempo todo aos clientes com as demandas da casa e os cuidados com a filha no contexto de um histórico de crises de ansiedade, terapia e uso de medicamentos.
“Tenho palpitações várias vezes ao dia, irritabilidade e oscilações de humor porque uma hora está tudo bem e, de repente, começo a me sentir mal”, conta. “A terapia já me salvou várias vezes e me colocou num lugar de entender como eu funciono e respeitar esse funcionamento” explica ela, que toma medicação para ansiedade. “O remédio cuida da parte biológica, mas existem outras questões, como o estresse e a própria estrutura social, que influem em como me sinto a cada dia. Então, todo dia eu preciso cuidar da minha cabeça e dos meus sentimentos, senão vira uma avalanche.”
FERNANDA MENA E CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress