RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Paula Bergamin é musa da Unidos de Vila Isabel, no Rio, desde 2019. Na época, aos 57 anos, ganhou a alcunha de “Vovó Musa da Vila” do comentarista Milton Cunha, da Globo, e diz que não se incomodou. Pelo contrário. Ela afirma ter achado um elogio e um estímulo para desafiar as caras e cochichos que percebia (e ainda percebe) quando aparece sambando na quadra da escola de Martinho da Vila.
“Consigo ler o pensamento dessas pessoas: O que essa velha faz aí? Mas quando isso acontece, vou na frente delas, sorrio e sambo. Gosto da ideia de que posso quebrar esse preconceito”, diz a paisagista, que é uma das poucas que assumem a idade em um meio marcado ainda por muitos tabus como é o Carnaval.
“Venho observando que algumas pessoas pensam assim quando me veem: ‘Nossa, finalmente tem uma mulher que não tem 20 nem 30 anos, e ela está ali num lugar de destaque de uma escola. Se ela pode, eu também posso’. Isso é muito bom, motiva e me faz querer continuar sendo musa por muitos e muitos anos”, conta.
Na busca por personagens, a reportagem entrou em contato com várias passistas e a maioria delas evitava falar a idade. Algumas explicaram que mentir sobre a data de nascimento é uma prática comum para quem quer continuar na ala ou então desfilar como destaque de chão.
Os assessores também tentam burlar perguntas sobre a idade de suas clientes. Um profissional, que trabalha com várias musas do Rio e de São Paulo, diz que não sabe a idade real de muitas delas. Sob a condição de anonimato, um deles contou que uma assessorada jurava ter 43 anos “há pelo menos 5 anos” e que “só agora aumentou para 45 anos”.
No entanto, outra que vai na contramão dessa tendência ecom perdão do trocadilho também samba para o preconceito é Ana Paula Oliveira, da Independente Tricolor. Gaúcha e advogada de formação, ela está estreando no Sambódromo do Anhembi e diz ter chocado os familiares com o título que recebeu da agremiação da zona norte de São Paulo. “Eles me perguntaram se eu não estava velha demais para ser musa do Carnaval. Pelo contrário. Me sinto com mais energia do que quando tinha 30 anos”, afirma ela.
Ana Paula não esconde que recorre a tratamentos estéticos para manter a aparência jovial por vaidade e diz que também se cuida por questão de saúde. “Me preocupo em alimentar bem e fazer exercícios para ser uma mulher saudável e feliz. Gosto também de me cuidar, mas não vejo problema em envelhecer. Tem como evitar as rugas e a flacidez? Então vamos lá”, explica ela, que já foi aconselhada por outras musas a mentir a idade, mas não consegue.
“Tenho 50 anos e isso não é um problema para mim. Mas eu não sou exclusivamente do Carnaval, e mentir a idade para algumas mulheres, que são destaques ou passistas, é uma questão de sobrevivência, de ainda estar inserida no meio.”
Musa da Unidos de Padre Miguel, escola da Série Ouro (antigo Grupo de Acesso) do Carnaval do Rio, Elis de Sá, 52, é outra estreante no cargo. “Sempre quis ser musa, mas me faltava coragem”, conta.
Um problema grave de saúde impulsionou a empresária do ramo de beleza a realizar o sonho. “Depois que você entra em coma, tem falência múltipla dos órgãos, é desenganada pelos médicos e sobrevive, passa a acreditar que nada é impossível. Entrar para o Carnaval e lutar para ser musa me trouxe esperança”, pontua.
Empresária do ramo da beleza, ela diz que não dá a mínima para os comentários sobre estar “na ala errada”. “Já ouvi que deveria vir em cima de um carro por causa da minha idade”, entrega. “Venho no chão, sambando os 55 minutos do desfile e peladíssima; nada tampado!”, delicia-se Elis, que diz se solidarizar com as musas que escondem ou mentem a idade para continuarem desfilando nas escolas de samba.
“Conheço muitas e entendo porque ainda prevalece a mítica da passista ou musa jovem, com tudo no lugar, nas escolas de samba”, lamenta. “Mas eu e outras mulheres estamos enfrentando isso e abrindo caminhos. Tantas mulheres viram empresárias, entram para a faculdade e recomeçam depois dos 40, 50 anos, por que não podem virar musas? Onde isso está escrito?”
ANA CORA LIMA / Folhapress