Museu ensaia futuro sem fósseis com luminária a energia solar e fogão a hidrogênio

MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Foi nos meses seguintes à invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, que, num museu de design localizado entre as fronteiras da Alemanha, Suíça e França, começou-se a imaginar uma exposição que unisse o tema principal do espaço a uma das grandes preocupações daquele momento na União Europeia -a crise energética.

A dependência do bloco do gás russo estava sofrendo um sério abalo com a guerra, o que espalhava pânico entre líderes políticos, empresários e famílias, com boletos de eletricidade e aquecimento mais caros. A busca por outras fontes de energia havia virado uma emergência.

“É claro que a transição energética estava já no ar, devido às mudanças climáticas e à ação dos combustíveis fósseis, mas o tema realmente ganhou urgência a partir daquele acontecimento político”, afirma Jochen Eisenbrand, curador do Museu de Design da Vitra.

Instalado em Weil am Rhein, na Alemanha, o espaço recebe a exposição “Transform! Designing the Future of Energy” (transforme! projetando o futuro da energia), aberta à visitação até setembro. O museu faz parte do complexo de fábricas de móveis da Vitra, com arquitetura de nomes como Herzog & de Meuron e Álvaro Siza.

No edifício projetado por Frank Gehry, estão à mostra cerca de 50 peças, incluindo abordagens pioneiras com fontes alternativas (algumas dos anos 1950), objetos contemporâneos realizados com energia limpa, novas ideias para edifícios, meios de transportes e infraestruturas para energia eólica e solar, além de visões quase utópicas de cidades autossuficientes.

Alguns são projetos especulativos, outros estão em fase de protótipos, mas vários já foram executados. A intenção é mostrar que o design é uma disciplina que faz a mediação entre a experimentação, a ciência e o usuário final. “Designers e arquitetos podem visualizar alternativas e ser os primeiros a usarem novas tecnologias ou mostrarem novos usos”, diz o curador.

A mostra está organizada em quatro eixos. No primeiro, o foco é o corpo humano, e é possível, por meio de pedaladas em bicicletas, observar a discrepância entre a quantidade de energia que somos capazes de produzir e aquela necessária para atividades do dia a dia, como tomar uma ducha quente.

Na mesma seção, chamada de “Human Power”, estão cartazes de protestos envolvendo questões energéticas. “A ideia de transição energética tem raízes em manifestações contra a energia nuclear. Grupos contrários a ela defendem, há muito tempo, as energias eólica e solar”, diz Eisenbrand.

A segunda parte é dedicada a objetos ligados ao ambiente doméstico, como as luminárias e os painéis decorativos da holandesa Marjan van Aubel. Cada peça é capaz de capturar a própria energia solar de que se alimenta. Na mesma linha está o fogão de cozinha desenvolvido pelo alemão Stefan Troendle, que usa hidrogênio gerado localmente por energia solar.

Na terceira ala, o destaque vai para construção e transportes. Na área de mobilidade, a ONO é uma bicicleta elétrica de cargas, que já está no mercado europeu como alternativa aos furgões que fazem entregas em áreas urbanas.

Na arquitetura, o curador chama a atenção para o projeto do estúdio espanhol Takk, que reformou um apartamento com soluções criativas e de baixa tecnologia para melhorar sua eficiência energética. A planta foi repensada e, em vez de salas e corredores, surgiram ambientes-caixas, que facilitam a regulação das temperaturas internas e quase dispensam o aquecimento artificial.

Na parte final, a mostra aborda infraestruturas e redes em torno de fontes renováveis de energia. Um dos projetos reúne propostas para melhorar a integração de turbinas eólicas com o entorno, desenvolvidas na Ecal, prestigiada universidade de design suíça.

“É mais fácil ver a transição acontecendo no nível de produtos, simplesmente porque é mais rápido do que nas escalas maiores”, diz o curador sobre o estado atual das transformações. “Na construção, tem crescido a consciência, talvez mais entre arquitetos do que entre clientes. Já a infraestrutura é o nível mais difícil e, ao mesmo tempo, aquele com o maior impacto.”

Os custos estão por trás da resistência à transição energética, e legislações como a diretiva das Casas Verdes, recém-aprovada na União Europeia, são parte da solução. A medida impõe diretrizes para melhorar o desempenho energético de edifícios, como a meta de redução de consumo de energia de 16% para os residenciais até 2030. “Isso ajuda a equilibrar a competição. Sem uma legislação que force, infelizmente vai ser sempre mais barato fazer um projeto menos ecológico”, afirma Eisenbrand.

Para o curador, este é um momento crucial, confirmado pela COP28, em dezembro, quando, pela primeira vez, representantes de quase 200 países concordaram oficialmente que é preciso fazer a transição dos combustíveis fósseis. “Se no nível mais alto de líderes finalmente chegou essa constatação, acho que as coisas começarão a mudar.”

Com a exposição, ele espera que o visitante, ao final, possa compreender melhor essa fase de transformações, não apenas do ponto de vista tecnológico ou político. “A transição energética também tem a ver com design e com planejamento. Tudo o que for acontecer vai moldar o cotidiano, os produtos, os ambientes construídos. Precisa ser bem projetado.”

MICHELE OLIVEIRA / Folhapress

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