BAKU, AZERBAIJÃO (FOLHAPRESS) – Aguardada com expectativa pelos negociadores da COP29, a declaração de líderes do G20 foi considerada insuficiente para destravar as negociações para uma nova meta de financiamento climático na conferência do clima da ONU, que acontece até 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão.
Delegações e membros da sociedade civil passaram a manhã desta terça-feira (19) destrinchando e repercutindo o conteúdo do documento, divulgado quando já era madrugada na capital azeri.
Na avaliação de especialistas e de representantes da sociedade civil, o texto trouxe avanços ao apoiar abertamente maior ambição para a nova meta global de financiamento climático -mais conhecida pela sigla NCQG- na conferência. O documento, contudo, deixou de apontar caminhos mais concretos para realização desse objetivo.
“Não teve nenhum comprometimento concreto, nenhuma sinalização por parte dos países desenvolvidos de algo que realmente pudesse destravar as coisas aqui em relação ao financiamento”, diz Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima que está acompanhando as negociações em Baku.
“Eles fizeram o básico, que foi falar da importância de um novo NCQG. Podiam ter ido além, mas não o fizeram”, completa.
Também no Azerbaijão para acompanhar as discussões, Maiara Folly, diretora-executiva da Plataforma Cipó, considera que a declaração do G20 teve alguns avanços, mas “ficou aquém das expectativas”.
Nos últimos dias, em meio aos impasses das negociações em Baku, a própria liderança da conferência, assim como altos representantes das Nações Unidas, vinham publicamente pedindo mais ambição para o clima por parte dos países do G20, responsáveis por aproximadamente 85% do PIB (Produto Interno Bruto) global e por 80% das emissões de gases de efeito estufa.
Na declaração, os líderes do G20 afirmam que aguardam ansiosamente por “um desfecho bem-sucedido para o novo objetivo coletivo quantificado (NCQG)”, atualmente em discussão na conferência do clima, comprometendo-se a “apoiar a presidência da COP29 e a contribuir para negociações bem-sucedidas em Baku”.
Os lideres também “reforçaram a necessidade de aumentar a colaboração e o apoio internacionais, incluindo esforços para ampliar o financiamento climático e os investimentos públicos e privados destinados aos países em desenvolvimento”, reiterando o reconhecimento da “necessidade urgente de aumentar rápida e substancialmente o financiamento climático, passando de bilhões para trilhões, com recursos provenientes de todas as fontes”.
A COP29 tem como principal ponto da agenda a aprovação de uma nova meta de financiamento climático global, que deve substituir o compromisso de US$ 100 bilhões que deveriam ser pagos anualmente pelos países ricos para apoiar as nações em desenvolvimento.
Nas negociações da nova meta de financiamento, os países em desenvolvimento exigem a elevação significativa das contribuições, que precisariam ultrapassar a marca de US$ 1 trilhão para fazer face às despesas crescentes relacionadas às questões climáticas.
Os países ricos, no entanto, pressionam para segurar os desembolsos e para ampliar a base de Estados doadores. Eles tentam ainda incluir no cálculo oficial dos repasses os recursos oriundos da iniciativa privada, o que não é permitido atualmente.
Para Maiara Folly, a menção do G20 sobre a necessidade de aumento das ambições enviou “um sinal político importante”, considerando que, no momento atual, os países desenvolvidos têm dificuldade até para mencionarem uma cifra nas negociações.
Um dos pontos mais criticados do texto, porém, é a supressão da menção à da necessidade de fazer a transição dos combustíveis fósseis, acordada durante a COP28, em Dubai, em 2023.
Países produtores de petróleo, com destaque para a Arábia Saudita, vêm pressionando negociadores em diversos fóruns para evitar mencionar esse ponto, considerado uma das grandes vitórias da última convenção do clima.
“Essa questão é o que nós vemos como a mais problemática, que merece mais preocupação”, diz Herschmann. “Eles reforçaram tudo do GST [Global Stocktake, o Balanço Global do Acordo de Paris], o que é bom. Mas, por outro lado, não falaram da transição para longe dos combustíveis fósseis.”
Segundo ela, a supressão desse ponto envia um sinal ruim por parte dos países do G20.
Líder climático da ONU, Simon Stiell saudou a declaração dos líderes aprovada por consenso no Rio de Janeiro.
“Os líderes do G20 enviaram uma mensagem clara aos seus negociadores na COP29: não deixem Baku sem um novo objetivo financeiro bem-sucedido. Isso é do interesse claro de todos os países”, afirmou,
“As delegações do G20 agora têm suas ordens de marcha aqui em Baku, onde é urgentemente necessário que todas as nações superem os jogos políticos e avancem rapidamente em direção a um terreno comum, em todas as questões”, completou.
A quatro dias do fim da conferência, a última versão do texto da nova meta de financiamento climático segue com seus pontos principais -valores de financiamento e origem dos recursos- em completo desacordo.
Representantes da delegação brasileira na COP29, contudo, afirmam que questões menos sensíveis do texto, como detalhes de acesso ao financiamento, estão conseguido avançar.
O Brasil foi convocado pela presidência da conferência, juntamente com o Reino Unido, para auxiliar o diálogo entre as partes.
Sede da COP30, que acontece em 2025 em Belém, o Brasil é um dos grandes interessados em destravar a nova meta de financiamento climático, evitando assim “herdar” o tema para a já complexa agenda prevista para a cúpula do ano que vem.
Em discurso na cúpula do G20 nesta terça, o presidente Lula Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou a COP30 de “última chance”.
“Não podemos adiar para Belém a tarefa de Baku. A COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático. Conto com todos para fazer de Belém a COP da virada”, disse.
Lula também cobrou as nações ricas para que antecipem as suas metas de corte de emissões. “Aos membros desenvolvidos do G20, proponho que antecipem suas metas de neutralidade climática de 2050 para 2040 ou até 2045. Sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para exigir ambição dos demais”, afirmou.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress