SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em tom de urgência, a escritora argentina Gabriela Cabezón Cámara tomou a palavra na tenda da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, para ler um poema de origem indigena wichi de uma região de extração de petróleo e madeira em seu país natal.
Ela foi indagada pela mediadora, Stephanie Borges, sobre a presença da mulher na cidade e como isso aparece em sua literatura. Mas a autora preferiu responder com um apelo político diferente, dizendo que neste 12 de outubro a colonização continua a imperar. Cámara afirmou que, no Brasil “com Lula” talvez esteja um pouco melhor.
A autora de “As Aventuras de China Iron”, finalista do International Booker Prize de 2020, defende que hoje existe uma tentativa de aniquilar outros mundos e fazer com que exista um só. “O estado argentino está democraticamente reprimindo a todos”, afirma.
Ela não aceita essa tentativa. Nem ela, nem a chilena Anelis Uribe, autora de “As Vira-Latas”, com quem Cámara dividiu a mesa.
Uribe diz que aprendia na escola que o Chile era um anexo da Europa, não uma junção de afrodescendentes, indígenas e europeus –mistura que corresponde à identidade dela. “Quando ensinam na escola que indígenas são peças de museu, é um gesto de violência maior”, diz.
A militância política costura a escrita das autoras. Cámara ajudou a fundar, em 2015, o Ni Una Menos, movimento feminista contra o feminicídio e carrega o tom militante feminista em sua literatura. Ela diz que as pessoas mais criativas e de linguagem mais inventiva que conheceu foram amigas travestis que fez com 14 anos.
Para ela, aquelas novas palavras que elas criavam soava como poesia. A autora não hesitou ao desejar boa tarde a todos, todas e todes ao entrar na tenda. “Uma língua é apenas uma invenção”, disse. “É como um rio que passa pelo nosso corpo.”
Uribe participava de uma organização contra o assédio no Chile, que criava campanhas educativas. Isso a fez pensar sobre o espaço. Ela lembra a frase célebre do homenageado João do Rio, que estampa as ecobags do festival, ao dizer que pesca dali a linguagem coloquial para escrever. Para a chilena, a experiência do corpo feminino na rua, que inclui a exclusão e o assédio, acaba moldando o livro.
“Quando você é mulher e da classe popular, tem uma visão descentralizada”, afirmou Cámara. “Não é um problema para a escrita. É um ponto de vista libertário.”
Mas a ideia de identidade fixa não agrada a autora. O encontro com o outro, disse Cámara, é o que faz com que você se mova. “A identidade é como se fosse uma prisão.”
BÁRBARA BLUM / Folhapress