SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Venezuela passa por uma crise política ainda maior que a dos últimos anos desde as eleições do final de julho, mas não foi tema dos discursos dos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Assembleia-Geral da ONU. De forma destoante, o líder da Argentina, Javier Milei, referiu-se ao país como uma “ditadura sangrenta”.
Os três discursaram nesta terça-feira (24) na plenária do órgão, em Nova York. Lula, que abriu o evento seguindo a tradição na qual o Brasil inaugura as falas dos líderes, e Petro, o sétimo a falar, são personagens centrais na negociação regional por uma saída diplomática no país vizinho.
O brasileiro, que falou sobre a guerra entre Israel e Hamas, a crise climática e as reformas das instituições globais de governança, nem sequer citou a Venezuela. A ausência do tema foi criticada pelo diretor da ONG Human Rights Watch no Brasil, César Muñoz.
“O presidente Lula abordou prioridades do Brasil em política externa. Porém, não fez nenhuma referência à situação dramática que vive a Venezuela. O silêncio não ajuda em nada as vítimas de abusos. O Brasil pode desempenhar um papel fundamental na defesa dos direitos humanos e na transição para a democracia”, afirmou Muñoz pela rede social Threads.
Já Petro fez uma rápida menção ao vizinho, mas apenas para reforçar o ponto central de seu discurso -a crítica a países ricos- e quase em tom de defesa de Caracas. “É esse 1% mais rico da humanidade, a poderosa oligarquia global, que permite que se atirem bombas em mulheres, idosos e crianças de Gaza, do Líbano ou do Sudão, ou que se bloqueie economicamente os países rebeldes que não se encaixam em seu domínio, como Cuba ou Venezuela”, afirmou o colombiano.
Não houve nenhuma referência dos dois às investidas de Nicolás Maduro contra a oposição após seus adversários questionarem a declaração de vitória do ditador feita pelos órgãos locais, mesmo sem apresentação das atas eleitorais que demonstrariam o resultado nas urnas. Tanto Petro quanto Lula vêm evitando críticas mais duras a Maduro, sob o argumento de que isso pode dificultar ainda mais as articulações com Caracas.
Na contramão dos líderes sul-americanos, o presidente da Argentina, Javier Milei, referiu-se à Venezuela como uma “ditadura sangrenta”. Foi a primeira vez em que ele discursou na Assembleia-Geral da ONU.
O argentino afirmou que as Nações Unidas têm sido incapaz de lidar com conflitos globais e que teve sua essência desvirtuada. Também disse que o órgão tem falhado em defender os direitos de minorias.
“Esta mesma casa, que diz defender os direitos humanos, permitiu o ingresso ao conselho de direitos humanos de ditaduras sangrentas, como de Cuba e Venezuela, sem o mínimo de reprovação”, afirmou.
“E nesta mesma casa há votações sistemáticas contra o Estado de Israel, o único país do Oriente Médio que defende a democracia liberal. Em simultâneo, tem-se demonstrado incapacidade de responder ao flagelo do terrorismo.”
Milei focou seu pronunciamento em críticas ao que chamou de “agenda ideológica”, supostamente imposta pela ONU e que atentaria contra os interesses de países pobres. Um dos pontos centrais do argentino foi a Agenda 2030, em referência às 17 metas adotadas na organização, em 2015, para promover a sustentabilidade, erradicar a pobreza e proteger o planeta até o final da década.
Segundo ele, trata-se de um programa de governo “supranacional de natureza socialista, que pretende resolver os problemas da modernidade com soluções que ameaçam a soberania dos Estados e que violam o direito à vida, à liberdade e à propriedade das pessoas”. Milei afirmou que a Argentina “não acompanhará” nenhuma política que implique na restrição de liberdades individuais.
Sanções mais robustas ao setor petrolífero da Venezuela foram impostas pela primeira vez durante o governo do ex-presidente americano Donald Trump, em 2019, após a vitória de Maduro na eleição anterior, já contestada por opositores e líderes ocidentais. Posteriormente, Caracas teve um alívio promovido por Joe Biden, mas a nova crise fez Washington retomar alguns bloqueios.
Regime e oposição afirmam que venceram o pleito de julho, embora só a oposição tenha divulgado as atas que tem em mãos. Os documentos, verificados por organizações independentes, dão vitória ao ex-diplomata Edmundo González, atualmente exilado na Espanha após ser alvo de um mandado de prisão do regime.
De acordo com organizações venezuelanas, a repressão aumentou no país após o pleito. Manifestações que se seguiram à votação já deixaram 27 mortos e 192 feridos, além de 2.400 presos.
O assunto é de especial interesse à Colômbia -o país é o principal destino da diáspora venezuelana e hospeda mais de 2,8 milhões dos 7,7 milhões de migrantes e refugiados da nação, seguida por Peru (1,5 milhão) e Brasil (568 mil).
Petro ainda alertou sobre as queimadas na amazônia, assim como Lula. “Hoje as coisas estão piores do que há um ano”, afirmou o líder colombiano, que falou no risco de se chegar a um ponto irreversível -o país divide parte do território da floresta com o Brasil. “Começou o fim.”
Ao comentar sobre o conflito no Oriente Médio, outro ponto de seu discurso, Petro chamou o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, de criminoso. “O povo de Deus não é o povo de Israel, não é o povo dos EUA, o povo de Deus é a humanidade toda. As crianças de Gaza eram o povo de Deus. Estão matando o povo escolhido de Deus. As crianças da humanidade”, afirmou.
De acordo com o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, governada pelo Hamas, mais de 41 mil pessoas já morreram no território palestino desde o ataque terrorista da facção contra o sul de Israel, em outubro do ano passado.
DANIELA ARCANJO / Folhapress