Na próxima encarnação, quero o ego de um homem branco, diz presidente da Petrobras

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A engenheira Magda Chambriard tem 45 anos de atuação em óleo e gás e chegou ao topo das duas instituições mais importantes do setor no Brasil, a Petrobras e a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). São conquistas para poucos, e que mulheres da sua geração não eram incentivadas a buscar -pelo contrário, conta a própria, na entrevista à Folha em que falou da questão de gênero na formação profissional.

“Tive situações onde colegas chegavam para mim, olhavam e falavam: ‘Magda, eu gosto muito de você, está tudo ótimo, mas eu não consigo te obedecer porque você é mulher’. E eu respondia: bom, esse problema não é meu, né? É seu. Você que vai ter que lidar com isso”,conta.

Promover diversidade na Petrobras é um grande desafio. Historicamente, a companhia é masculina. Pelo dado mais recente, de 2023, os homens representam 82,9 % da força de trabalho, e as mulheres, 17,1%.

Chambriard ampliou o número de mulheres quando estava na ANP e já começou a fazer o mesmo na diretoria da estatal. Empossou mulheres nas áreas de E&P (Exploração e Produção) e de Engenharia, que, juntas, controlam mais de 70% do orçamento da companhia. Agora, quer mais inclusão no conselho de administração.

“Tem onze pessoas, e só duas mulheres. Eu e mais uma”, explica.

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Leia trechos da entrevista.

*Mulheres sem autonomia*

“Meus pais se conheceram na Esso, onde trabalhavam. Tinham dois anos de casados quando eu nasci e, na sequência, minha mãe ficou grávida da minha irmã. Meu pai entendeu que já estava na hora de ela parar de trabalhar, se dirigiu ao RH da Esso e suspendeu a autorização para ela trabalhar, sem falar com ela. Mulher no Brasil só passou a trabalhar sem autorização do pai ou do marido em 1962. Então, eu cresci com a minha mãe me dizendo: entre perder o emprego e perder o marido, perca o marido. Isso é uma mensagem subliminar fortíssima.”

*Sem chance na engenheira civil*

“Quando entrei na sala do diretor, ele já foi dizendo: olha, Magda, eu tenho 25% dessa construtora, a maior parte é do diretor financeiro. Ontem, nós tivemos um barraco aqui. Um engenheiro brigou com uma engenheira. Eram casados, saíram no pau e foram os dois demitidos. Hoje de manhã, quando eu disse para o diretor financeiro que ia contratar uma mulher, ele falou que não quer mais mulher aqui. Elas vêm, casam com os nossos engenheiros, depois brigam e a gente perde dois engenheiros em vez de um. Chorei dois dias e assumi na Petrobras.”

*A ida para a ANP*

“Em 2002 um amigo me convidou para ir para a Agência Nacional do Petróleo, porque a gente estava num projeto comum de trabalhar a inserção da pequena e média empresa no mercado de petróleo brasileiro. Aí saiu no jornal assim: Newton Monteiro, recém-indicado para a Agência Nacional do Petróleo, vai levar como assessora uma “colega”, entre aspas, da ativa.

Metade da agência achava que eu tinha um caso com ele, a outra metade tinha certeza, porque eles não viam nenhuma outra razão para eu ter ido, a não ser, ter um caso. Eu acho isso absolutamente espetacular. Decidi não tomar conhecimento, e essa postura sempre ajudou. Tive situações onde colegas chegavam para mim, olhavam e falavam: ‘Magda, eu gosto muito de você, está tudo ótimo, mas eu não consigo te obedecer porque você é mulher’. E eu respondia: bom, esse problema não é meu, né? É seu. Você que vai ter que lidar com isso.”

*Diretora na agência*

“As pessoas sempre estranharam muito eu estar ali, porque o protótipo da mulher que ocupava o lugar de homem era uma mulher brava, gritona, mandona, que fazia desaforo para todo mundo, dava murro na mesa. Eu sou o oposto. Falo baixo, não grito. Então começaram a dizer: se ela tem essa diferença toda do estereótipo masculino, vai fracassar, deve ser fraca, não vai aguentar a pressão. Esse era o entorno.”

*Nomeada diretora-geral*

“Quando o Lula põe a Dilma, vem uma onda de ‘vamos aumentar o número de mulheres no governo’. A Graça vai para a Petrobras, e a Dilma me chama. No Palácio, ela nem me disse bom dia. Falou assim: amanhã é Dia Internacional da Mulher, vai sair um decreto e você vai ser diretora-geral. É o primeiro mandato, falta um ano e pouquinho para terminar, e o decreto vigora um ano e meio. No próximo, você vai para sabatina, e a gente vai dar todo o suporte.

Bom, voltei para a agência como diretora-geral e pensei: vamos começar a dividir um pouquinho mais esses cargos, né? Vamos nomear uma mulher para uma superintendência, um homem para outra, uma mulher para uma coordenação, um homem para outra.”

*Driblando interferência política*

“Tirei um bando de gente indicada por parlamentares e botei um monte de profissional da indústria. Um dito cujo, que não posso dizer quem é, deu uma entrevista dizendo que eu não tinha nenhum apreço pela Câmara ou pelo Senado Federal. Óbvio que os jornalistas caíram em cima de mim para saber quem eu estava tirando, quem eu estava botando e por que ninguém tinha reclamado direto comigo.

Contei que tinha tirado B, C e D e colocado fulano, com 40 anos de experiência, beltrano, com doutorado em XYZ, e que ninguém tinha brigado comigo porque a Dilma era meio maluca, eu também, e todo mundo sabia que não ia adiantar reclamar nem com ela, nem comigo. E expliquei: eu fiz esse movimento porque quero me cercar dos mais capazes.

Resultado: fui frase da semana na revista Veja. A partir daí aconteceu um troço espetacular na ANP: todo mundo queria trabalhar comigo. Vinha gente dizendo: ‘Magda, se eu estou trabalhando para você, é porque eu sou muito capaz, né?'”

*Radioativa na troca do governo Dilma*

“Quando eu saí da agência, as mulheres foram se escasseando, e os homens, aumentando. Com a mudança de governo, eu, que estava muito identificada com a Dilma naquela época, fiquei radioativa. Ficou esse viés de eu ter sido indicada por ela. Ser radioativa é chato, mas também não me atrapalhou a continuar tocando a minha vida.

Mas eu fico impressionada como destruíram a reputação da Dilma. Porque eu não tenho como testemunho uma Dilma maluca, ao contrário. Dilma é muito zelosa, muito cuidadosa, que gostava das coisas com um bom grau de profundidade. O fato de ser ministra de Energia e, depois, presidente, deu um tom diferente para o setor.”

*Assumindo a Petrobras no Lula 3*

“Cheguei e pensei, se eu quiser mandar nessa empresa, eu vou precisar de quatro cargos: E&P, Engenharia, Financeiro e Jurídico. O resto, a gente se vira. E como cortar, vamos dizer, assim, o pipeline tradicional? Por óbvio, o pipeline é de homem e eu vou botar mulher. Tenho certeza que as mulheres não estão na network. Cerca de 70% do orçamento é EP [Exploração e Produção] e engenharia. Falei assim: aqui vai ter mulher porque eu tenho certeza que elas não estão na patota, e não estão na patota por motivos óbvios: a empresa é masculina. Botei duas lá. Fui procurando as mulheres. Agora, eu estou reclamando do conselho de administração. Tem onze pessoas, e só duas mulheres. Eu e mais uma.”

*O poder do ego masculino*

“O networking masculino é muito forte. Assim como o ego. Na próxima encarnação, sendo homem ou mulher, eu queria o ego de um homem branco. Na minha carreira, nunca vi um homem que tenha recusado uma promoção, mas vi diversas mulheres recusem porque não se sentiam capazes para o cargo. Gente, olha só: quem tem a responsabilidade de achar se você é capaz, ou não, é quem te indica. Se você não for capaz, vai ser tirada. Não se preocupe. Mas ao menos vai lá e tenta.”

*RAIO-X*

Magda Chambriard, 57

Carioca, é mestre em Engenharia Química pela COPPE/UFRJ e Engenheira Civil pela UFRJ, com especialização em engenharia de reservatórios e avaliação de formações e posteriormente em produção de petróleo e gás, na hoje denominada Universidade Petrobras. Ingressou na estatal em 1980, onde exerceu inúmeras atividades em todas as áreas de produção. Cedida para ANP, em 2002, assumiu a assessoria da diretoria de Exploração e Produção. Foi também diretora e diretora-geral da agência. Desde junho de 2024 é presidente da Petrobras

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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