‘Não existe lugar seguro’, diz brasileiro encurralado em Gaza

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O palestino com cidadania brasileira Hasan Rabee, 30, gravou vídeos de bombardeios a poucos metros da casa em que está abrigado na Faixa de Gaza. Ele está encurralado no sul do território palestino e aguarda há 13 dias a formalização de um acordo para cruzar a fronteira com o Egito e fugir da zona de guerra.

“Bombardeio agora ao lado da casa. Não existe lugar seguro na Faixa de Gaza”, diz. Ele está no território palestino desde o fim do mês passado, quando saiu de São Paulo, onde vive como refugiado, para visitar a família.

Fato é que não há lugar seguro para ninguém na Faixa de Gaza. Seja devido aos mísseis lançados constantemente por Israel ou pela falta de insumos básicos na região, como água, alimentos e remédios. Se a situação já era decadente antes mesmo da guerra, com altíssimos índices de pobreza no território, agora, com o bloqueio ainda mais intenso de Tel Aviv, a região está em colapso.

Os moradores do território, assim como os voluntários de organizações não governamentais e os funcionários da ONU em Gaza esperam há dias a liberação da passagem de Rafah, entre o Egito e Gaza. Trata-se do único ponto de passagem para a região que não é controlado por Israel. Ao menos não diretamente, já que a entrega segura dos insumos depende de um cessar-fogo momentâneo no sul do território -Israel está com medo de que as cargas estejam recheadas de ajuda ao Hamas e, por isso, não dá trégua.

O canal tem sido a diplomacia. O enviado especial dos Estados Unidos, David Satterfield, reuniu-se nesta quinta-feira (19) com autoridades israelenses e egípcias para desenvolver o mecanismo exato para permitir a entrada de ajuda humanitária em Gaza.

Segundo o AlQahera News, canal de TV próximo dos serviços de inteligência egípcios, a passagem pode ser aberta na sexta (20). Mas o “pode” desespera quem está do outro lado da fronteira.

Imagens feitas por Rabee, por exemplo, mostram explosões em áreas residenciais e numa rodovia da cidade de Khan Yunis, próximo à Rafah. Várias colunas pretas e densas de fumaça sobem ao céu.

Rabee viajou a Gaza para visitar parentes antes dos atentados feitos por terroristas do grupo Hamas contra civis em Israel, em 7 de outubro. Acabou surpreendido pelo confronto e ficou encurralado. Agora, teme pela vida da esposa e das filhas de três e seis anos, que são brasileiras e o acompanharam na viagem.

“Infelizmente não tem nenhuma notícia de que vamos sair [de Gaza]. Nem hoje e nem amanhã”, afirma. “À noite houve bastante ataque na cidade de Khan Younis e em Rafah. Bastante gente morta e ferida.”

Ele afirma que Gaza está à beira do colapso. A população continua sem água, gás e eletricidade. Os mercados e as padarias, conta Rabee, estão lotados de pessoas que buscam alimento.

O território palestino, onde vivem mais de 2 milhões de pessoas, está totalmente bloqueado pelas forças israelenses desde o ataque do Hamas. Após os atos terroristas, Tel Aviv deu um ultimato para que todos os moradores no norte do território, onde está metade da população total, fossem para o sul.

A família de Rabee tem se deslocado por casas de parentes e amigos desde que os conflitos começaram, sempre tentando fugir dos bombardeios diários. Outras 12 pessoas que também fugiram da região norte dividem a casa da mãe do palestino com cidadania brasileira.

Rabee tenta distrair as crianças com pinturas ou aviões de papel. As atividades, porém, por vezes são interrompidas pelas explosões de bombas. “As crianças choram o dia inteiro. São mais de 12 dias em casa, estão fechadas. Não podem nem entrar. Elas ficam chorando, dizem que querem passear. […] As coisas estão bem complicadas mesmo.”

Há muitas crianças em Gaza. Quase metade da população do território tem menos de 15 anos, e isso pode ser visto nas imagens e relatos da guerra.

Em Khan Younis, a agência de notícias Reuters flagrou homens carregando crianças mortas e feridas nos braços, enquanto veículos os levavam para hospitais. Essas crianças estavam em uma casa bombardeada em plena luz do dia.

Os médicos disseram que quatro pessoas foram mortas no ataque e muitas ficaram feridas, principalmente crianças deslocadas do norte de Gaza que estavam jogando futebol em um terreno ao lado. “Vi partes de corpos, crianças desmembradas, o que posso descrever para vocês?”, questionou Hassan Al-Hindi, um vizinho que viu o ataque.

Em outra área da região, o bombardeio destruiu lojas e residências. O berço rosa de uma criança ficou revirado no chão. As cenas chocam até os palestinos mais velhos, experientes em viver sob bombardeios. “Tenho mais de 70 anos, já passei por várias guerras, mas nunca foi assim”, afirmou Rafat Al-Nakhala, que chegou ao local depois de obedecer à ordem de Israel para que os civis fugissem do norte do território.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, implorou por um cessar-fogo humanitário imediato. “Gaza precisa de ajuda em grande escala e numa base sustentada”, disse durante entrevista no Egito. Há cem caminhões carregando insumos no lado egípcio da fronteira. O número, porém, é bem abaixo do necessário. Segundo a ONU, essa era a quantidade de caminhões que entravam por dia em Gaza antes da guerra.

Guterres apelou ao Hamas para libertar os reféns que capturou no último dia 7 e a Israel para conceder acesso irrestrito à ajuda.

Mas a situação pode ficar ainda mais tensa. Nesta quinta, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que suas tropas reunidas na fronteira de Gaza logo verão o enclave palestino de dentro, sugerindo que uma invasão terrestre ao território está bem próxima. Pouco depois, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, publicou um vídeo de si mesmo com as tropas perto da fronteira, prometendo vitória.

O ministro de Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, foi sincero nesta quinta. Em entrevista, disse temer que o pior ainda esteja por vir.

RENAN MARRA E PEDRO LOVISI / Folhapress

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