Não há igualdade de gênero na União Europeia, diz comissária para igualdade

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A comissária europeia para a igualdade, Helena Dalli, já foi criticada até pelo papa. Em 2021, o pontífice comparou a União Europeia a uma ditadura depois que a comissária para igualdade do bloco foi responsabilizada por um rascunho de documento interno que instruía funcionários a trocar o termo “Natal” por “festas”, mais abrangente com outras culturas.

Hoje, ela não comenta o ocorrido. Diz apenas que “Por coincidência, terei uma audiência com o papa Francisco no Vaticano na próxima semana”.

Dalli, natural de Malta, integra a equipe de Ursula von der Leyen, chefa da Comissão Europeia, o braço executivo da UE, e vem ao Brasil para a reunião ministerial de empoderamento feminino do G20, onde deve se encontrar com a primeira-dama Janja. Em entrevista à Folha, ela diz que espera explorar as possibilidades de ação conjunta com o Brasil.

O prato de Dalli está bastante cheio na Europa. Von der Leyen se reelegeu em julho para um mandato de mais cinco anos em uma eleição marcada pela presença da ultradireita. Embora o Parlamento Europeu siga majoritariamente ocupado pelo centro ao qual a alemã pertence, agora vê a ultradireita liderada por Jordan Bardella, herdeiro político de Marine Le Pen, como segunda principal força. Estão no bloco a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o autocrata húngaro Viktor Orbán.

Dalli, porém, não parece preocupada. “O Parlamento Europeu tem sido historicamente um forte defensor dos direitos de igualdade, e não acho que isso mude durante esta próxima legislatura.” Ela diz que a Comissão Europeia vai continuar a trabalhar em prol da igualdade.

É um trabalho com limites. O direito ao aborto sofre ataques em países do continente em que a ultradireita ascende ao poder. É o caso da Polônia de Andrzej Duda, onde o presidente que ocupa o cargo desde 2015 vetou, em junho, uma proposta de lei que tentava descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez no país.

Em 2021, o aborto se tornou ilegal na Polônia em todos os casos, exceto quando há risco a vida da mulher e em caso de estupro. Em agosto, diretrizes abriam brechas para que mulheres pudessem acessar o aborto até 12 semanas caso tivessem recomendações médicas.

Na Itália, em uma vitória da ultradireitista Giorgia Meloni, desde abril grupos “com experiência em apoiar a maternidade” podem acessar centros de apoio em que mulheres que estão cogitando abortos vão para receber aconselhamento.

O direito ao aborto existe na Itália desde 1978. A lei que regulamenta a prática prevê desde então “provisões para prevenir o procedimento e dar apoio à maternidade”, brecha usada para o avanço pró-vida endossado por Meloni.

Ao mesmo tempo, iniciativas como a inclusão do direito ao aborto na Constituição, iniciativa francesa consolidada em março, sinalizam que a Europa não vive exclusivamente de retrocessos no que diz respeito aos direitos reprodutivos.

Mas o poder da União Europeia em transformar essa centelha numa onda de progressismo é mínimo.

“Devo destacar que as esferas de competência da UE e dos Estados-Membros são estabelecidas pelo Tratado”, diz Dalli. “Por exemplo, a União não tem competência sobre os direitos ao aborto, pois a legislação nesta área é de responsabilidade exclusiva dos Estados-membros.”

Meloni, assim como a francesa Marine Le Pen, do Front Nacional, é uma das figuras femininas de ultradireita que mais mobiliza apoiadores na Europa hoje. Dalli, de postura moderada, mantém diálogo e evita “colocar alguns grupos contra outros”. “A UE se estabelece sobre o diálogo entre iguais, apesar das diferenças.” Ela afirma que esteve na Itália, em uma reunião ministerial do G7 sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, “organizada pelo governo italiano”.

Apesar da abertura ao diálogo, Dalli reconhece que não existe igualdade de gênero na Europa. Questionada se o tema é fonte de polarização na Europa, ela afirma que “vozes antifeministas e antigênero conseguiram criar divisões onde não havia nenhuma e mudar perspectivas entre alguns europeus”. A comissária não especifíca que vozes são essas.

BÁRBARA BLUM / Folhapress

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