SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Marcos Valle não imaginava estar fazendo tanta coisa em 2024. Ele encerra nesta sexta-feira (12), em São Paulo, no Cine Joia, a turnê comemorativa de seus 80 anos. Depois, parte para shows fora do país, primeiro pela Europa, logo no começo de agosto, e depois nos Estados Unidos. E em setembro deve sair seu novo álbum de inéditas, “Túnel Acústico”. Assim, fica inevitável perguntar ao cantor e compositor carioca como ele se sente com todos esses compromissos.
“Olha, sinto gratidão porque eu jamais poderia imaginar, lá atrás, que eu estaria fazendo tanta coisa aos 80 anos. Na verdade, são dois aspectos. Um é você chegar a essa idade com disposição para fazer isso. Outro é você ser requisitado para esse número de coisas. Não esperava ser tão procurado pelos jovens, por tantos novos parceiros. Aí veio turnê aqui, turnê lá fora…”
Sempre com cabelos loiros e longos e corpo esguio, a figura pública de Valle reflete seu estilo solar de vida, ligado ao mar, à praia, às atividades físicas. “Tive essa maravilhosa surpresa de me sentir bem. Estou muito feliz de estar no palco, tocando. Somando isso ao estúdio, a ensaiar e compor… Puxa, minha vida é isso, eu respiro música, penso o tempo todo em música. É incrível ver que as melodias vão surgindo na minha cabeça.”
No novo álbum, ele mais uma vez abre espaço para parcerias. Entre elas, músicas com Céu e Moreno Veloso, convidados do show em São Paulo, junto com os rappers Emicida e Rashid. No álbum anterior de Valle, “Cinzento” (2021), ele divide vocais com Emicida na faixa-título. No repertório da apresentação, ele inclui músicas que fez com esses parceiros e contempla canções de quase todas as fases da carreira.
Numa retrospectiva de sua trajetória, Valle admite ser demasiadamente associado à bossa nova. Em meados dos anos 1960, ele fez parte de uma espécie de segunda geração do movimento, pouco tempo depois do sucesso dos fundadores. Mas sua música derivou rapidamente para outros gêneros.
O álbum “Mustang Cor de Sangue”, de 1969, trazia muito de pop e algo de baião. “Garra”, de 1971, mostrou Valle à vontade com muita influência da soul music. Atravessou aquela década em flertes com gêneros como o progressivo e o funk, e chegou a 1983 bem distante dessas praias, com “Estrelar” (1983), agitado álbum com pegadas de eletrônica. Mesmo assim, nessa época, como ainda hoje, costuma ser apresentado como um representante da bossa nova.
“As gerações mais novas que começaram a se ligar na minha música já sabem que não é nada disso. Eles me ouviram tocar com Lineker, Marcelo D2, mas a turma mais antiga me associa muito à bossa nova. Poxa, eles têm que descobrir o resto”, diz Valle. “Vou a um festival pop, depois a um festival de jazz. Acho que as pessoas percebem que eu vou muito além. Não relego aquela base da bossa nova, mas é difícil alguém escutar Estrelar e dizer que foi feito por um cara de bossa nova. Acho que é algo que vou conquistando aos poucos, essa compreensão do meu trabalho.”
Nessa exuberância de gêneros em sua discografia, ele responde prontamente ao ser desafiado a listar discos que melhor definem o jeito Marcos Valle de fazer música: “Vou falar três. Previsão do Tempo (1973), O Vento Sul (1972) e Viola Enluarada (1968). São três visões. Um disco mais groove, outro mais psicodélico e um mais harmônico. Juntos, os três dão uma mostra resumida de como é minha música. Mas é bom escutar o disco novo. Acho que suas 12 faixas abrangem muito do que eu já fiz”.
“Túnel Acústico” deve ser lançado durante a turnê europeia, mas a gravadora londrina Far Out Recordings decidiu antecipar um single, em vinil, com a única faixa mais antiga num álbum que tem material recente e inédito. É “Feels So Good”, parceria de Valle com Leon Ware, morto em 2017, uma verdadeira lenda na música americana, exímio cantor, produtor e parceiro de Marvin Gaye nos grandes hits da maior voz do soul. E há uma história por trás dessa canção com o brasileiro.
De 1975 a 1980, Valle morou nos Estados Unidos, quando conheceu Ware, que ele define como uma de suas influências no começo da carreira. Ware ouviu uma música de Valle, que tinha letra de Robert Lamm, um dos fundadores do grupo Chicago. “Estava inacabada, e não sei como ela foi parar nas mãos do Leon. Então rolou uma gravação, em fita cassete. Isso foi em 1979. Fizemos muita coisa juntos depois, como Estrelar, um dos meus maiores sucessos, mas essa fita ficou guardada numa gaveta”, recorda Valle.
Ao iniciar o trabalho de “Túnel Acústico”, ele falou da música para o produtor Daniel Maunick. “Com essa Inteligência Artificial, ele deixou a voz do Leon, tirou alguns trechos para eu colocar o meu vocal e o resultado ficou excelente. Mais ou menos o que os Beatles andaram fazendo com Now and Then, aquela música gravada pelo Lennon que ficou perdida.”
A lista de parcerias de Valle ao longo da carreira é quase um “de A a Z” de boa música. Vai do rock progressivo brasileiro, com os grupos Azymuth e O Terço, a cantoras impecáveis como a diva Sarah Vaughan ou a indie brasileira Tulipa Ruiz. Trabalhou com a emergente banda curitibana Jovem Dionisio com o mesmo entusiasmo que teve ao montar um show com os antigos parceiros da bossa João Donato, Carlinhos Lyra e Roberto Menescal.
“No meu jeito de fazer música, sinto vontade de mudar. Para mim é importante o próximo disco não ser igual ao anterior. Trabalhei com muitos grupos, porque a cada momento, uma banda correspondia ao que eu queria. Mas, agora, há muito tempo minha banda é a mesma.” Ele fala de seu atual time de colaboradores que inclui nomes celebrados como Renato Massa na bateria e Alberto Continentino no baixo. “Eu me aproximar desse pessoal mais novo é uma oxigenação total na minha carreira. Isso me faz um bem danado.”
MARCOS VALLE E CONVIDADOS
– Quando Sexta (12), às 22h
– Onde Cine Joia – pça. Carlos Gomes, 82, São Paulo
– Preço R$ 220
THALES DE MENEZES / Folhapress