SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Woo woo woo woo woo woo.”
Esse foi o cumprimento que a primatóloga Jane Goodall -a mais conhecida em sua área no mundo todo- deu ao público que aguardava a sua palestra no Unibes Cultural, em São Paulo, no começo desta semana.
A conservacionista britânica de 89 anos, logicamente, falava outra língua, a qual também domina. “Essa sou eu, Jane, na língua chimpanzé”, disse em seguida em inglês, em um tom bem-humorado, acompanhando seu semblante e voz serenos.
Em contraste, pouco antes, Goodall recebia a reportagem para uma entrevista e, referindo-se à exploração de petróleo e à crise climática, dizia: “Não somos imunes à extinção”.
Questionada sobre a ideia de pesquisa e exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas -que tem encontrado espaço entre setores do governo Lula (PT)-, Goodall disse que “infelizmente, isso está acontecendo em todo lugar, não só no Brasil”.
“Não faz sentido. Nós temos que eliminar o petróleo”, afirmou a conservacionista. “Se nós não mudarmos, nos unirmos e começarmos a fazer as coisas de maneira diferente, chegará o dia em que será tarde demais. Chegaremos ao ponto de não retorno da destruição ambiental. E, se nos importamos com nossos filhos e os filhos de nossos filhos, então, é hora de tomarmos uma atitude.”
A possível exploração da bacia da Foz do Amazonas, na chamada margem equatorial do Brasil, preocupa ambientalistas devido ao risco de atividades petroleiras em uma área biodiversa e vulnerável. Além disso, novos investimentos em combustíveis fósseis não deveriam ser feitos para que o planeta contenha o aquecimento em níveis menos desastrosos, como recomendam cientistas e a própria AIE (Agência Internacional de Energia).
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis) já negou um pedido da Petrobras para perfurar um bloco da bacia, mas setores do governo e aliados pressionam contra a decisão.
Goodall, nesta temporada no Brasil, pôde se atualizar sobre os temas socioambientais que mais agitam o país no momento. Poucos dias antes de visitar São Paulo, Goodall esteve em Brasília e foi recebida por Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e fez ainda sobrevoos em garimpos ilegais na amazônia, junto com o Greenpeace Brasil.
Mas Goodall também já havia visto, em uma ocasião diferente, o outro lado da amazônia.
“Naveguei por parte do rio Negro quando estive em Manaus e passei a noite no rio. Surpreendentemente, era lua cheia. Mas eu não vi muitos animais”, recordou a primatóloga, que, nos primeiros meses de África também não conseguia se aproximar, como pretendia, do seu objeto de observação, os chimpanzés.
“Foi simplesmente adorável estar lá. Amo estar na natureza. Fiquei no convés e choveu um pouco, então eu apenas me cobri com um cobertor. E aproveitei estar na natureza.”
Foi com esse espírito que, na década de 1960, sem formação universitária ou em pesquisa acadêmica, Goodall foi para as florestas da Tanzânia observar chimpanzés, em um momento da história em que ainda pouco se sabia sobre o comportamento desses bichos -tão próximos a nós- na natureza.
O resultado: ajudou a mostrar ao mundo a complexidade do universo dos chimpanzés, documentando, por exemplo, a forma com que usam ferramentas.
Com o passar do tempo, Goodall viu que, pela África, as populações de chimpanzés diminuíam, assim como seus hábitats. Ligou os pontos e reconheceu as causas.
Na luta pelos chimpanzés, lutou também por melhores condições de vida para as pessoas de regiões onde vivem chimpanzés, pois percebeu como essas questões podem conversar. Assim, cresceu a veia conservacionista do seu trabalho, com a denúncia constante da destruição da natureza e dos riscos da crise climática.
O PODER DOS JOVENS
Hoje, ao pensar em ativismo climático, é comum imaginar jovens protestando, já que a figura máxima desse ciclo é a sueca Greta Thunberg, de 20 anos. Goodall também é uma crente no poder jovem e, no início da década de 1990, deu início ao programa Roots & Shoots, que, em linhas gerais, incentiva jovens a agirem sobre os problemas de suas comunidades, entre eles, lógico, os ambientais.
Empoderar as novas gerações para que elas se envolvam na resolução de problemas não significa, porém, que as outras faixas etárias devam se ausentar da ação, ela destaca.
“Me deixa muito muito brava quando as pessoas falam: ok, é com vocês. Nós precisamos trabalhar junto com os mais jovens”, afirmou. “Os mais jovens entendem os problemas. Nós não entendíamos.”
Goodall, por sinal, parece confortável ao falar de sua idade e da finitude da vida. Sua próxima grande aventura, segundo ela mesma, é a morte -para descobrir o que acontece depois.
“Pode ser nada, e tudo bem. Mas eu acredito que há algo”, disse, com serenidade. “Eu acredito que estou fazendo o que eu fui colocada neste planeta para fazer. Estou dando o meu melhor.”
A britânica disse imaginar que, após partir, seu legado será definido em dois pontos: a participação na discussão sobre a senciência (o poder de sentir) animal e na tarefa de dar esperança aos jovens.
Inclusive, a discussão sobre esperança é o ponto central do seu livro mais recente, “O Livro da Esperança”, lançado no Brasil pela editora Sextante.
Apesar disso, Goodall não deixa de ter uma dose de pessimismo em sua fala e reconhece a dificuldade de eliminar completamente o uso de petróleo, protagonista da crise climática. A preocupação ambiental da conservacionista também recai sobre consumo exagerado, mineração e pobreza.
“Se nós continuarmos com tudo do jeito que está, eu não gostaria de estar por perto daqui a dez anos”, afirma Goodall. “E como eu tenho 90 [completará em abril de 2024], espero que eu tenha ido embora nos próximos dez anos,” diz, em tom de piada.
Goodall, porém, sempre acompanhada de um macaquinho de pelúcia chamado Mr.H -que não é um chimpanzé, como ela faz questão de afirmar- prefere acabar em uma nota mais positiva.
“Bem, eu acho que a mensagem mais importante é se lembrar que, em todos os dias que você vive, você causa um impacto no planeta. E você pode escolher que tipo de impacto você causa”, disse.
PHILLIPPE WATANABE / Folhapress