‘Narcas’ traça perfil de mulheres no narcotráfico na América Latina

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Anos antes de a série “Griselda” (2024) chegar à Netflix e jogar luz sobre o universo feminino do narcotráfico, Deborah Bonello, jornalista com origens maltesa e inglesa, mas que vive no México, já tinha o tema como prioridade –e obsessão.

Bonello se guiou por um método comum no jornalismo: encontrar um assunto marginalizado e colocá-lo no debate público. “Retorne ao lugar que todos ignoram”, diz um ditado do maoísmo que obviamente não aludia à imprensa em sua origem, mas que a exemplifica muito bem.

Parte da capa da versão brasileira do livro ‘Narcas’, da jornalista Débora Bonello, publicado pela Planeta em 2025 Divulgação A capa do livro ‘Narcas’ apresenta um fundo preto com imagens em preto e branco de um olho e uma arma. “A documentação do crime organizado sempre foi majoritariamente feita por homens, que não buscavam as histórias das mulheres; [é algo que] simplesmente não faz parte da lente masculina”, diz a jornalista.

A compilação das histórias que ela investigou acaba de chegar ao Brasil. O livro “Narcas”, lançado em inglês em 2023, acaba de ser publicado pela editora Planeta em português e se prepara para ganhar versão em espanhol, idioma nativo de todas as personagens da obra.

As mulheres investigadas por Bonello lideraram redes gigantescas de narcotráfico no México, em Honduras, em El Salvador e na Guatemala.

São donas de casa que passam às margens de estereótipos e controlam redes de tráfico de drogas entre fronteiras, pegam em armas, matam e ordenam assassinatos sem remorsos aparentes.

É o caso de Digna Valle, que controlava uma pequenina cidade de Honduras em um esquema quase feudal. Ela criou até uma igreja no local. Ao mesmo tempo, porém, dava razão aos irmãos narcotraficantes que estupravam mulheres e controlavam o tráfico na fronteira com a Guatemala.

Em muitas das produções audiovisuais relacionadas ao narcotráfico –as mais famosas são provavelmente “Narcos” (2015), sobre o colombiano Pablo Escobar, e “El Chapo” (2017), sobre o mexicano Joaquín “El Chapo” Guzmám–, as mulheres inseridas nesse mundo são “buchonas”, termo usado no México para se referir aquelas que se envolvem romântica ou sexualmente com os líderes dessas facções.

As “buchonas” são, em geral, mulheres que veneram as cirurgias plásticas, os silicones de muitos mililitros, os cabelos compridos e as roupas coladas ao corpo. Bonello afirma que elas existem, mas que há mais por trás dessa imagem.

“Muitas mulheres usam o véu do estereótipo de gênero para passarem despercebidas”, diz um trecho de “Narcas”. “Elas escondem-se atrás do estereótipo de menina e mulher comportada, incapaz de fazer o mal, para fazerem justamente isso: o mal. Elas se tornam mulas de drogas, assassinas e lavadoras de dinheiro. Vendem drogas nas ruas, engolem pacotes. Traficam armas. Sequestram. Extorquem.”

Com 20 anos de cobertura na área, Bonello também faz no livro provocações que podem parecer contraditórias para uma obra com tintas feminista. A jornalista abre espaço para a defesa de uma agência feminina que pode não estar fundamentada em valores sociais, diga-se, elogiáveis.

Ela diz que enxergar o papel das mulheres como um simples reflexo da sociedade é tirar delas o livre-arbítrio, reduzindo-as a meras seguidoras dos homens, e ignorar que há algumas que não apenas são capazes de ser violentas como gostam disso.

“Afinal, os fatores sociais que levam ao narcotráfico são muito similares para homens e mulheres: a necessidade econômica, a falta de oportunidades no mercado legal”, diz ela à reportagem. “É claro que as oportunidades para ambos são desiguais, mas isso não quer dizer que nesse universo onde floresce o narcotráfico, de muitos ‘campesinos’ da América Latina, essas oportunidades sejam grandes para os homens.”

Outro ponto específico interessante da obra: Bonello debate como a arma de fogo pode ser um instrumento de equidade entre gêneros em um universo no qual a violência é sempre tão desigual.

“A sociedade faz as mulheres se sentirem frágeis, incapazes de se defender”, diz. “A capacidade de usar a arma de fogo não muda de um homem para uma mulher. Não é uma questão de capacidade física.”

Criminosas brasileiras ainda não fazem parte do leque de histórias reais de Bonello, mas ela não descarta abordá-las em um trabalho futuro.

Narcas: A ascenção secreta das mulheres nos cartéis de drogas da América Latina

Preço: R$ 58,90 (208 págs.); R$ 39,90 (ebook)

Autoria: Deborah Bonello

Editora: Planeta

Tradução: Carolina Cândido

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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