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Natal da Brasil Paralelo se contradiz ao tentar desmentir ‘ideologias’

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – É uma experiência esquisita assistir aos três episódios do especial de Natal do grupo de mídia conservador Brasil Paralelo, disponíveis gratuitamente no YouTube e no serviço de streaming da empresa.

De um lado, muitos dos convidados do programa, comandado pelos apresentadores Luís Ernesto Lacombe e Lara Brenner, poderiam estar participando de um especial natalino típico da TV aberta brasileira, em canais como o SBT ou a Record.

Reunidos num teatro em São Paulo, eles contam histórias, como o diagnóstico e o tratamento do câncer de um filho ainda bebê, ou a adoção de dezenas de crianças e adolescentes que viviam em abrigos pelo mesmo casal -situações “inspiradoras”, para usar o adjetivo da moda, escolhidas para comover.

E, de fato, genuinamente emocionantes em diversos casos. Não há motivo para duvidar da sinceridade e das boas intenções por trás desses depoimentos.

Há ainda interlúdios de música clássica, com peças tipicamente natalinas que até o ouvido menos treinado acaba reconhecendo -“Adeste Fideles” ou “Jesus, Alegria dos Homens”, de Bach, por exemplo– e versos declamados pelo “poeta e cantador” Clístenes Hafner Fernandes.

Há a intenção declarada de criar um espetáculo capaz de despertar “sentimentos elevados”, um contraponto à banalização da data e à frivolidade que, para a direção da Brasil Paralelo, teria tomado conta da cultura brasileira.

O tom das apresentações é, além disso, explicitamente cristão e, para ser mais específico, católico, embora a influência de aspectos do pensamento evangélico também possa ser entrevista nos programas.

De novo, não é nada que alguém acostumado a emissoras abertas de orientação confessional, como a Rede Vida ou a TV Canção Nova, do interior paulista, já não tenha visto antes -um dos astros da Canção Nova, o apologeta (defensor da doutrina) católico Felipe Aquino, é um dos destaques do primeiro episódio.

Os depoimentos são calcados na fé dos participantes e em temas como “a vida como milagre” e “a vida como dom”. São pessoas que enxergam a intervenção divina em seus dramas do cotidiano, do resultado de um acidente de carro à decisão de abandonar tratamentos de fertilidade e buscar a adoção como forma de realizar o sonho de ter uma família numerosa.

Trata-se, é claro, de um ponto de vista muito comum na cultura brasileira, e o mesmo vale para a ênfase dada aos laços familiares e sua sacralidade. É uma perspectiva tão válida quanto uma visão mais secularizada da vida.

Um ruído de fundo estranho, no entanto, começa a se manifestar quando, no começo, meio e fim do especial natalino, a empresa propagandeia sua nova iniciativa, intitulada Travessia da Família.

Definida no site do Brasil Paralelo como “uma curadoria de professores e temas essenciais para pais e mães”, a Travessia da Família, disponível por um valor “especial” para quem estivesse assistindo aos programas de Natal, ajudaria a garantir “uma boa educação para os filhos” e “um relacionamento a dois forte e harmônico”. O preço é de R$ 2.988 à vista, ou 12 parcelas de R$ 249.

A visão apresentada pela empresa de mídia sobre os problemas familiares no Brasil de hoje é o de famílias sob cerco, com pais, mães e filhos que já não compreendem qual deveria ser o papel de cada um, sob o assédio das telas onipresentes e das “ideologias” -em especial a “ideologia de gênero”.

Já se disse que mitologia é o nome que se dá à religião dos outros. O Brasil Paralelo, assim como o resto da direita radical brasileira, sofre de uma forma parecida de miopia: a de achar que apenas os outros –em especial, é claro, a esquerda– têm “ideologia”. E é nesse detalhe que os pontos cegos e contradições aparecem no programa.

Ao falar da suposta confusão causada pelo ambiente atual na cabeça dos jovens, a orientadora familiar Dorita Porto comenta com espanto que um dos casais com quem trabalhou descobriu, de repente, que a filha namorava outra moça havia anos. Outra convidada conta como sofreu abusos do pai, também ao longo de anos.

Em nenhum momento, diante desses fatos, os participantes se perguntam se o modelo tradicional e hierárquico de família também não é capaz de criar estruturas que favorecem distorções e injustiças.

Não chega a lhes passar pela cabeça que o bicho-papão da “ideologia de gênero” pode apenas ter dado voz a pessoas –muitas delas cristãs, e que querem continuar a sê-lo– que simplesmente são incapazes de se encaixar nesse modelo de família. E continuarão a não se encaixar, por mais cursos online que a Brasil Paralelo lance.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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