CALI, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – A conferência de biodiversidade COP16, da ONU (Organização das Nações Unidas), terminou neste sábado (2) com um presságio ruim para a sua equivalente de clima, que começa em menos de duas semanas em Baku, no Azerbaijão: o entrave de temas econômicos.
O encontro em Cali, na Colômbia, tinha dentre seus principais objetivos destravar o financiamento e reformar o Fundo Global de Biodiversidade, além de avançar em um mecanismo de repartição financeira chamado DSI.
Os resultados ficaram muito aquém do esperado.
A dificuldade de avançar com questões financeiras é um sinal pouco animador para a conferência de clima COP29, que começa no próximo dia 11. Isso porque o principal objetivo da COP29 é justamente viabilizar uma nova meta global de recursos para o setor.
Para a diplomata Maria Angelica Ikeda, diretora do departamento de meio ambiente do Itamaraty, há uma “retração geral dos países desenvolvidos em relação ao financiamento ambiental”, que não cumprem seu papel de subsidiar financeiramente os países emergentes para que estes possam efetivar ações de proteção ambiental.
“Vemos esse movimento em diversas negociações ambientais. Ao mesmo tempo, o grau de cobrança crescente sobre a implementação dos acordos recai sobretudo nos países em desenvolvimento. A biodiversidade, por exemplo, está concentrada principalmente em países em desenvolvimento. Por essa razão, é necessário que os países desenvolvidos respondam, com urgência, à necessidade de criação de fundos multilaterais para o financiamento ambiental”, diz.
Ela defende um novo fundo multilateral que concentre este fluxo de recursos.
Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, lembra que as duas cúpulas foram criadas juntas em 1992, no Rio de Janeiro.
“O paralelismo vai além da origem e se reflete nas dificuldades que enfrentam para garantir os recursos prometidos e necessários. Esse contexto reitera a importância de mecanismos específicos de financiamento que fortaleçam, de forma coordenada, as convenções de clima e biodiversidade, respeitando suas particularidades e mandatos específicos, bem como promovendo sinergias”, afirma.
De acordo com negociadores brasileiros, que falaram à reportagem reservadamente, as negociações nos braços da biodiversidade e do clima têm se espelhado: o avanço é muito difícil quando o tema é dinheiro, uma vez que os países ricos pouco cedem às demandas dos emergentes.
Para o clima, a principal bandeira do país anfitrião, o Azerbaijão, é a chamada NCQG (Nova Meta Coletiva e Quantificada, na sigla em inglês).
O objetivo é conseguir viabilizar a mobilização de recursos financeiros após a previsão do Acordo de Paris, de destinar US$ 100 bilhões por ano dos países desenvolvidos para os emergentes, jamais ter sido efetivada.
A conferência de Cali terminou com uma defasagem bilionária na meta de financiamento da biodiversidade, uma nova promessa de doação de US$ 163 milhões (cerca de R$ 930 milhões) por parte de algumas nações ricas.
As promessas financeiras escassas ilustram os choques entre as nações ricas e os países em desenvolvimento.
Os emergentes reclamam que a atual governança do Fundo da Biodiversidade privilegia os ricos, que são os maiores doadores. A Colômbia colocou em discussão uma nova estrutura, paritária.
Um diplomata brasileiro definiu o embate como um barraco. Diante da resistência dos países ricos, o Panamá liderou um movimento de protesto das nações em desenvolvimento que culminou no encerramento da sessão final da COP16 sem que o tema fosse deliberado.
No tema de DSI, sigla em inglês para informação de sequência genética digital, a COP aprovou a criação de um novo fundo, mas cuja efetividade ainda é incerta.
Houve avanços, por exemplo o reconhecimento inédito do papel dos afrodescendentes, como os quilombolas, para a preservação e o uso sustentável da natureza o que pode ajudar essas comunidades a ter acesso a programas de financiamento.
Foi criado ainda um órgão subsidiário permanente para tratar de temas dos povos indígenas e comunidades locais, visto como fundamental para a solidez e a continuidade às políticas do setor, e não deixá-las à mercê de grupos de trabalho que poderiam ser desfeitos a qualquer momento.
Também foi aprovado um novo tratado para impulsionar a criação e o fortalecimento de áreas de proteção ambiental nos oceanos, as chamadas EBSAs (sigla em inglês para áreas marinhas ecologicamente ou biologicamente significativas).
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AS CIFRAS DA BIODIVERSIDADE
– Meta global: US$ 200 bilhões* anuais, a partir de 2030
– Patamar atual: US$ 25,8 bilhões* em 2023
– COP16: US$ 163 milhões em novas promessas de doações para o fundo de biodiversidade
– O fundo: US$ 407 milhões, contando as novas promessas
*Contabilizando todas as fontes, inclusive o setor privado
Fonte: OCDE
JOÃO GABRIEL / Folhapress