‘Nica’, de Elisa Band, une fragmentos da vida cotidiana em percurso vertiginoso

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há dois anos, Elisa Band espalha os fragmentos de sua vida, fazendo anotações em cadernos, guardanapos e até enviando mensagens de áudio para o próprio número no WhatsApp. A performance “Nica”, agora encenada pela atriz no Sesc Pompeia, se funda na desordem para elaborar um percurso narrativo vertiginoso.

A diversidade de temas impressiona. Primeiro, a atriz fala sobre a experiência de um cateterismo. Em seguida, discorre sobre a anatomia da baleia-azul e, segundos depois, já confabula sobre os riscos de terremotos e o comportamento das formigas.

A atriz conta ter sonhado, certa noite, que uma pessoa anunciava a necessidade de propor um outro tipo de lógica ao espetáculo, rejeitando a linguagem de um emaranhado. “Não existe nexo, lógica causal ou linear. os laços entre os assuntos se dá numa livre associação, como na psicanálise”, diz Band.

É a primeira vez que “Nica” é encenada presencialmente. Em 2021, a artista protagonizou sessões online da obra, subvertendo a própria arte da performance, que prevê a presença. “Eu explorava, naquela época, as possibilidades cênicas da câmera, como a aproximação e o distanciamento. Era uma tentativa de entender a técnica por trás da transmissão ao vivo”, ela conta.

O título “Nica” é uma homenagem ao nome da mãe da atriz. Afinal, a primeira cena, sobre o cateterismo, remonta a um exame feito por Nica ainda em 2016. Desde então, o problema cardiológico de Nica fez com que a atriz pensasse o coração, em um sentido abrangente, de sua função vital à representação do amor.

Diante do aparecimento de tantos temas em suas anotações, Band pensou que cada um dos assuntos engendraria um determinado espetáculo. A ideia da livre associação, método utilizado por Sigmund Freud na psicanálise para curar seus pacientes pela fala, e o desejo de criar um solo que misturasse biografia à ficção, conseguiu unir os fragmentos em uma única performance.

Sob o aspecto visual, o espetáculo trabalha com projeções de slides, que aparecem atrás da artista. Ao mesmo tempo, há uma pessoa filmando em tempo real o mapa, disposto no chão do palco. As imagens também são projetadas e mostram detalhes da cartografia, antes imperceptíveis à visão do espectador na plateia.

A escolha pelo mapa simboliza o desejo de ordenação do fluxo de pensamento que ali se encena, o que é sempre uma impossibilidade. Em outra instância, instiga o desejo pelas correspondências lógicas. Afinal, todo o mapa respeita uma escala proporcional, entre representação e realidade. “É uma tentativa de explicar o que não obedece a lei da causalidade, por isso essa explicação sempre nos escapa”, diz a atriz.

A peça cria, portanto, um tensionamento entre o racionalismo e a psicologia humana, construindo um labirinto poético. Do mesmo modo, a música executada por Peri Pane, que na peça toca guitarra, violoncelo e teremim, cria paisagens sonoras. As melodias acrescentam, neste sentido, um novo significado ao texto fragmentado, fundando correspondências entre as falas e a música.

Além de Pane, Band está agora acompanhada, na nova versão do espetáculo, da atriz Gilda Nomacce, que interpreta um duplo da personagem principal. “Gilda não se limita a esse papel, porque acrescenta as especificidades de sua presença em cena, fundando mais uma camada para a peça e trazendo novas nuances de significado”, afirma Band.

Do mesmo modo, a intérprete de libras deixa de ter apenas uma função utilitária. Os sinais efetuados de Érika Motta constituem, diante do espetáculo, gestos cênicos, também incluídos na poética da peça.

Band, uma das fundadoras do grupo K, de performance, diz que “Nica” lhe rendeu um aprendizado. “Com essa peça, descobri que todos os temas podem se ligar”, ela afirma. “Um assunto pode ser a expansão do outro.”

NICA

– Quando 12 de setembro a 6 de outubro

– Onde Sesc Pompeia – r. Clélia 93, São Paulo

– Preço R$ 30

– Classificação 12 anos

– Autoria Elisa Band

– Elenco Elisa Band, Peri Pane, Gilda Nomacce, Érika Mota, Natália Machiavelli

– Direção Elisa Band e Daniela Avila Small

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

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