SÃO PAULO, SP, E VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Poucos dias depois de vencer o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, na Itália, pelo thriller erótico “Babygirl”, Nicole Kidman viajou para Londres, para o lançamento de “O Casal Perfeito”, nova minissérie da Netflix, como que para reequilibrar o espírito depois de uma performance arriscada.
Em “O Casal Perfeito”, ela é uma mulher rica e elegante que sofre por ter um péssimo marido, além de enfrentar outros eventos trágicos –um papel com o qual a atriz já está familiarizada desde o sucesso da série “Big Little Lies” e as participações em “The Undoing”, “Expatriadas” ou “Tudo em Família”, também na televisão.
“O Casal Perfeito”, aliás, tem direção de Susanne Bier, que também dirigiu “The Undoing”, criada por David E. Kelley, o mesmo nome por trás de “Big Little Lies”.
Kidman conquistou a televisão nos últimos anos, mas, de tempos em tempos, retorna aos cinemas com performances arrebatadoras, como fez em “Babygirl”, para relembrar por que é uma das mais transgressoras e aclamadas estrelas de Hollywood.
“Espero que minhas mãos não estejam tremendo”, disse ela aos jornalistas no Festival de Veneza. A atriz estava bastante nervosa, e não era difícil entender porquê. Em “Babygirl”, ainda sem previsão de lançamento no Brasil, Kidman interpreta Romy, uma chefe de uma empresa de robótica, casada com um marido apaixonado –papel de Antonio Banderas– e mãe de duas adolescentes espertas, além de rica, bonita e poderosa. Mas tem uma vida sexual frustrada e não consegue se satisfazer com o esforço do marido, apesar de pensar em sexo e se masturbar com frequência.
Romy então conhece Samuel, jovem estagiário da empresa em que trabalha, interpretado por Harris Dickinson, galã de “Triângulo da Tristeza”, e tudo acontece.
As cenas de sexo não são explícitas, mas corajosas, e ambos exploram juntos seus gostos sadomasoquistas. “Eu abordo tudo artisticamente, então não penso em corpos por si só, mas em como me entregar completamente a esse personagem sem censurar meu diretor. Não sei fazer de outro jeito. Não entro no cenário preocupada, querendo me proteger”, disse Nicole Kidman.
Sua personagem em “Babygirl” é uma dessas pessoas com alta tolerância para a dor. Ela aparece recebendo injeções de botox no rosto, que deixam marcas roxas, mas rejeita o uso de anestésicos para o procedimento –assim como para o tormento psíquico de viver um relacionamento proibido enquanto mantém o semblante e a agenda sem muitas alterações para não chamar a atenção.
Em “Casal Perfeito”, ela também vive uma mulher rica que esconde alguns segredos. Sua personagem, Greer Garrison, é uma escritora famosa e obcecada em manter a ideia de que tem uma família perfeita para a mídia. Ela é casada com Tag Winbury, interpretado por Liev Schreiber, um homem que nasceu em berço de ouro, mas está falido. Eles têm quatro filhos, todos forçados pela mãe a participarem de eventos nos quais simulam uma harmonia familiar inexistente.
A trama começa com o luxuoso casamento de um de seus filhos na ilha de Nantucket, no estado americano de Massachusetts, quando a morte repentina da madrinha de casamento, encontrada afogada na manhã seguinte, dá a largada para uma investigação que, além de buscar um assassino, encontra as muitas intrigas que existem na família.
É justamente nas complexidades da psique humana que Kidman presta atenção ao escolher seus papéis. “Estou menos interessada em algo certinho ou muito sentimental, geralmente me afasto disso. Procuro por nuances, sombras, a dualidade humana e o que ela significa”, ela diz, em entrevista por chamada de vídeo.
A afirmação de Kidman encontra eco no que Jane Campion, diretora de “Retrato de uma Mulher”, disse sobre a atriz, que interpretou a protagonista de seu filme, no início do ano. Segundo a cineasta, ela tem a habilidade de conter a dor em uma mistura complexa de desgosto, tristeza e humilhação que são, ao mesmo tempo, tenras ou excitantes, com muitas doses de sensualidade quando isso se faz necessário.
Talvez tenha sido essa a capacidade que catapultou a atriz australiana de corpo esculpido por anos de balé clássico para Hollywood, há 25 anos, quando fez o thriller “Calma de Morte”. Pouco antes, ela havia deixado uma indústria cinematográfica em crise na Austrália, onde nasceu, para perseguir o sonho de atuar.
Em “Dias de Trovão”, conheceu Tom Cruise, com quem se casaria depois, em uma relação que foi tema recorrente do noticiário de celebridades. Em vez de se contentar com o lugar de coadjuvante glamorosa, Kidman traçou seus próprios caminhos, com alguns erros, como a mocinha de “Batman Eternamente”, e acertos que se acumulam em uma longa lista de performances arrebatadoras e audaciosas, passando também por “Um Sonho Sem Limites”, de Gus Van Sant, um retrato da ambição profissional de mulheres sexualmente livres, e “De Olhos Bem Fechados”, dirigido por Stanley Kubrick.
Possivelmente, Kidman é a única atriz a terminar um filme de Kubrick desejando que o processo tivesse durado mais tempo. As cenas de nudez foram um acordo em comum. Elas deveriam fazer sentido para a narrativa, e ela deveria estar confortável.
Mas foi uma ligação do diretor Baz Luhrmann que mudaria sua vida, quando ele a elegeu como a protagonista de “Moulin Rouge!”, lançado em 2001. Um ano depois, Kidman venceria o Oscar de melhor atriz por interpretar Virginia Woolf em “As Horas” e, nas décadas seguintes, estaria em longas ousados de Lars Von Trier e Yorgos Lanthimos, em dramas premiados como “Reencontrando a Felicidade” e até em blockbusters e filmes infantis, caso de “Aquaman” e “Paddington”.
Há sete anos, Kidman conquistou também a televisão, como atriz e produtora de um dos melhores elencos femininos de séries, com “Big Little Lies”, ao lado de Reese Witherspoon, quando se comprometeu a tirar produções com protagonistas feministas complexas do papel.
Curiosamente, foi durante uma conversa com Witherspoon, no intervalo das gravações da série, que Kidman soltou uma frase que virou inspiração para o filme “Barbie”, de Greta Gerwig. “Você já pensa na morte, Reese? Porque eu penso nisso o tempo todo.”
Se a preocupação existe, ela está longe de diminuir seu ritmo de trabalho. Só na última década, Kidman esteve envolvida em 30 produções, equiparável a Cate Blanchett e Kate Winslet, que também avançam na TV após conquistar o pódio no cinema.
Agora, Kidman conta sete projetos em gestação, entre eles a terceira temporada de “Big Little Lies” e uma adaptação dos livros da personagem Kay Scarpetta, médicalegista que protagoniza romances de Patricia Cornwell. Ela disse ainda que adoraria fazer um filme de terror, daqueles em que assistir de olhos abertos é quase impossível.
Seu desejo é continuar se jogando de cabeça nas coisas, e pensar que ainda não atingiu o trabalho criativo que queria é uma motivação para continuar. Ao mesmo tempo, a atriz atingiu um patamar em Hollywood em que pode aceitar participar de séries mais voltadas ao entretenimento, por diversão, como é o caso de “O Casal Perfeito”.
“Como atriz, é divertido ter papéis tão diferentes, e trabalhar na televisão e no cinema ao mesmo tempo é incrível”, afirma a atriz. “É um momento animador para atuar. Às vezes, parece uma montanha russa, e preciso segurar filme, mas é um sonho como atriz fazer personagens dramaticamente opostos.”
ALESSANDRA MONTERASTELLI E TETÉ RIBEIRO / Folhapress