BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quinta-feira (17) que nenhum dos participantes envolvidos no debate sobre os altos juros do rotativo do cartão de crédito quer tomar decisões que tenham impacto abrupto no consumo da população brasileira.
“Ninguém quer criar nenhum tipo de ruptura que possa causar impacto para as pessoas”, disse Campos Neto em entrevista ao portal Poder360.
O chefe do BC destacou que, além da incidência dos juros da modalidade, é cobrada uma taxa de 2% de quem não efetua o pagamento integral da fatura do cartão. “A questão é como reequilibrar isso de uma forma que pessoas não percam poder de compra”, disse.
Campos Neto reiterou que o parcelamento de compras sem juros é “muito importante” para a atividade econômica. “Ninguém propôs em nenhum momento acabar com o parcelado. A ideia que estava sendo discutida é como posso fazer para que isso não continue crescendo de forma desenfreada. Ou seja, tenha um desincentivo marginal ao parcelamento muito longo”, afirmou.
“Do outro lado, também tem muita emissão de cartão. Existia a ideia de que, se tabelar os juros, acabo controlando a emissão de cartões”, continuou.
Segundo ele, até o momento não foi tomada qualquer decisão, e o tema está sendo discutido com diversos setores. “O BC fornece o aspecto técnico, o Congresso vê qual é a viabilidade política daquilo e o Ministério da Fazenda está trabalhando na ligação entre o que é o puro técnico e o que é o técnico viável de ser aprovado no Congresso”, disse.
Para o presidente do BC, a solução provavelmente vai passar pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), colegiado formado pelos ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e do Planejamento (Simone Tebet), além de Campos Neto.
A discussão está em fase inicial embrionária na Câmara dos Deputados, segundo parlamentares ouvidos pela Folha. Uma proposta para limitar os juros no rotativo do cartão de crédito foi inserida no projeto de lei sobre o Desenrola, programa de renegociação de dívidas da gestão petista.
De autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), o projeto determina que o CMN irá estabelecer limites para a cobrança desses juros. O relator da proposta, deputado Alencar Santana (PT-SP), discute um caminho considerado pelos envolvidos no debate como menos intervencionista, com a possibilidade de as próprias instituições estabelecerem um teto a ser cobrado no rotativo em determinado prazo.
Na semana passada, Campos Neto sinalizou a senadores que o fim do rotativo do cartão de crédito era a solução que estava “se encaminhando” no debate de medidas para reduzir os altos juros e a inadimplência da modalidade.
Ele falou também sobre a possibilidade de criar uma tarifa para frear o parcelamento sem juros caminho que, segundo relatos de pessoas envolvidas pela negociação, não é bem visto nem por técnicos da autoridade monetária. Essa taxa poderia recair sobre os lojistas por meio do aumento da cobrança da tarifa de intercâmbio pelas transações com cartões ou sobre os consumidores, o que poderia gerar um entrave jurídico.
O chefe do BC contou ter levado um “puxão de orelha” por ter antecipado o tema no Congresso Nacional. Para evitar desgaste, Campos Neto se limitou a dizer na última terça (15) que é preciso encontrar um reequilíbrio na equação, destacando que o parcelamento sem juros é “muito importante” para o consumo da população brasileira.
Há expectativa de que uma solução seja encontrada no prazo de 90 dias, conforme indicado por Haddad. Na tarde desta quinta, o titular da Fazenda se reuniu com representantes da Abranet (Associação Brasileira de Internet) e da Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos) para discutir o tema.
Na mira do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito em junho foi de 437,3% ao ano, segundo dados do BC. Naquele mês (último dado disponível), a inadimplência na modalidade ficou em 49,1%.
O rotativo é a linha de crédito mais cara do mercado, recomendada por especialistas apenas em casos emergenciais. Desde 2017, as instituições financeiras são obrigadas após um mês a transferir a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, que possui juros mais baixos.
NATHALIA GARCIA / Folhapress