Nobel aclamado pela prosa, Jon Fosse não empolga na poesia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O escritor norueguês Jon Fosse recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 2023 por, como anunciou a Academia Sueca, “suas peças e prosa inovadoras, que dão voz ao indizível”.

A premiação fez com que o interesse sobre as obras do autor, considerado o dramaturgo mais encenado da atualidade, se expandisse para gêneros literários que até então haviam recebido pouca ou nenhuma atenção das editoras brasileiras.

É o caso da poesia, que chega ao Brasil pela primeira vez com “Poemas em Coletânea”, do Círculo de Poemas. A publicação tem tradução direta de uma variante do norueguês, o nyborsk, usada por menos de 20% da população local. Quem traduziu foi o experiente Leonardo Pinto e Silva –que, de Fosse, também é responsável pelas traduções dos romances “Brancura” e “A Casa de Barcos”, ambos pela Fósforo.

A coletânea reúne oito livros do autor, lançados de 1986 a 2016. É possível notar ali uma predileção por elementos e temas como cão, anjo, ruínas, cores, paisagens, que também ressurgem em romances e dramaturgias. A capacidade de Fosse de transitar entre os gêneros é inegável. Mas não é na poesia, de fato, que o autor alcança seu ponto de maior brilho literário.

Mesmo assim, merecem atenção os cortes dos versos, quando no papel uma linha termina e passamos à seguinte, os chamados “enjambements” ou cavalgamentos, que provocam certa hesitação na leitura, uma descontinuidade interessante entre som e sentido.

Não por acaso, logo na primeira estrofe do livro, a figura de um cavalo impõe o ritmo de cavalgadas por meio de cortes abruptos e pontos finais inusitados: “O cavalo, e é noitinha. Cheiro de suor/ e neve vermelha no casaco da mãe. Tenho uvas/ na boca, um homem fala. Montes de neve/ na beira da estrada.”

Ganham destaque, ainda, os muitos elementos naturais, o uso de vocabulário simples e objetivo, provável resultado de sua variante idiomática cheia de oralidade, e o artifício da repetição.

Aparecem, por exemplo, em canções que muitas vezes lembram mantras, como em: “Uma pedra deve existir na noite/ vibrando toda sua calma/ Uma pedra deve existir de dia/ iluminando do dia a alma”.

Apesar da experimentação formal, os versos ecoam um lirismo, muitas vezes, gasto. A voz poética expõe uma vida interior incorpórea e uma imensidão desterritorializada. A distância entre cultura norueguesa e brasileira, com toda a disparidade entre clima, hábitos e paisagens, é insuficiente para explicar a sensação de que os poemas também estão deslocados de nosso tempo.

É que eles falam a partir da tradição da universalidade de um sujeito neutro, que olha sem ser olhado –um ponto de vista, não um corpo. Mas o sujeito pretensamente universal –que é masculino– não existe. Ou melhor, não está mais sozinho.

E a poesia de Fosse, que oscila entre bons experimentos, belas paisagens e a meditação de si mesmo, cai na reiteração de um “eu” que, de tão absorto, soa esquecido dos leitores, numa redundância que pode entediar. Como nos versos “quem é que escreve, sou eu/ ou é algo que escreve em mim e que/ escreve minha escrita/ através de mim, talvez seja eu quem escreve”.

Afinal, a analogia da poeta e pensadora americana Dorothea Lasky para o poema como uma festa pode resumir a sensação. “Você pode planejar uma festa, mas precisa conseguir que as pessoas apareçam para que realmente seja uma festa.”

Os poemas de Fosse parecem, algumas vezes, uma festa tão particular que os convidados ficam esquecidos.

Poemas em coletânea

Preço: R$ 104,90 (472 págs.)

Autoria: Jon Fosse

Editora: Círculo de Poemas

Tradução: Leonardo Pinto Silva

Avaliação: *Bom*

ANA LUIZA RIGUETO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS