SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Nobel da Paz de 2024 premiou a Nihon Hidankyo, organização japonesa que atua pela abolição das armas nucleares. O anúncio, feito pelo comitê da premiação nesta sexta-feira (11), foi justificado pelo fato de que o tabu a respeito do uso de armas nucleares está sob pressão no mundo.
A entidade, fundada 11 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, representa dezenas de milhares de sobreviventes das bombas atômicas lançadas em 1945 pelos Estados Unidos sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, acontecimento que completará 80 anos em 2025. As explosões, com três dias de diferença, mataram cerca de 200 mil pessoas, sem contar as mortes posteriores em decorrência da radiação.
Chamados de hibakusha, os atingidos usam seus testemunhos para conscientizar o mundo dos horrores de um ataque nuclear. Logo após a guerra, o Japão reconheceu cerca de 650 mil sobreviventes número que diminuiu desde então devido às mortes. Atualmente, muitos dos que ainda estão vivos têm mais de 80 anos.
“Os hibakusha estão recebendo o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar, por meio de testemunhos, que as armas nucleares nunca devem ser usadas novamente”, disse o comitê do Nobel. “Eles nos ajudam a descrever o indescritível, a pensar no impensável e, de alguma forma, a compreender a dor e o sofrimento incompreensíveis causados pelas armas nucleares.”
O copresidente da Nihon Hidankyo, Toshiyuki Mimaki, emocionou-se ao receber a informação do prêmio. Ele afirmou que a vitória ajudará a organização a pedir ao mundo pela desnuclearização e, assim, “alcançar a paz eterna”. “Por favor, extinguam as armas nucleares enquanto estamos vivos”, disse, segundo o jornal americano The New York Times. “Não temos mais muito tempo de vida.”
Mimaki ainda comparou a situação atual na Faixa de Gaza, palco de uma guerra entre Hamas e Israel há um ano, à do Japão no fim da Segunda Guerra Mundial. “Em Gaza, [os pais] seguram em seus braços crianças ensanguentadas. É como no Japão há 80 anos”, declarou.
Ele ainda criticou a ideia de que as armas nucleares mantêm o mundo em paz por temores do alto potencial de destruição desse tipo de armamento. “As armas nucleares podem ser usadas por terroristas”, afirmou. “Por exemplo, se a Rússia as usar contra a Ucrânia, ou Israel contra Gaza, a coisa não vai parar por aí. Os políticos deveriam saber dessas coisas.”
O primeiro-ministro Shigeru Ishiba, que assumiu o posto no Japão há apenas dez dias, também se manifestou durante uma viagem a Laos. “É extremamente significativo que a organização que trabalhou para abolir as armas nucleares tenha recebido o Prêmio Nobel da Paz”, afirmou.
Não é a primeira vez que o comitê norueguês joga luz sobre a questão a mais recente demonstração de apoio à desnuclearização foi em 2017, quando premiou a Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares.
Antes disso, em 2005, quando a Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU, foi a premiada, o comitê citou a Nihon Hidankyo pela sua atuação no tema. A entidade, aliás, já havia sido nomeada em 1985 e 1994, o Gabinete Internacional Permanente para a Paz, vencedor de 1910, indicou a organização japonesa.
“Uma guerra nuclear poderia destruir nossa civilização”, disse o comitê do Nobel, afirmando que a construção de um tabu em torno de armamentos nucleares se deve também ao trabalho dos hibakusha. “É alarmante que hoje esse tabu contra o uso de armas nucleares esteja sob pressão.”
O presidente do comitê não citou nomes, mas a declaração é uma referência indireta às ameaças de uso desse tipo de arma por potências nucleares. De acordo com a Federação dos Cientistas Americanos, nove países têm arsenais atômicos no mundo: Rússia, EUA, China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte.
Nenhum deles aderiu ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares de 2021. O texto foi assinado por 98 países, dos quais 70 já o retificaram números que não incluem o Japão, o que é alvo de críticas de ativistas. O Brasil é um dos signatários, embora ainda não tenha retificado o acordo e, por isso, não seja um membro pleno do instrumento.
Em setembro, a Rússia, que constantemente faz menções ao possível uso desse tipo de armamento, usou a tribuna da Assembleia-Geral da ONU para renovar suas ameaças ao falar sobre a Guerra da Ucrânia, país invadido por Moscou em 2022 e que recebe amplo apoio do Ocidente.
“Os atuais estrategistas anglo-saxões não só não escondem seus planos de tentar derrotar a Rússia usando o regime ilegítimo neonazista de Kiev, mas também preparam a Europa para se lançar nessa campanha suicida. Nem vou começar a falar sobre a falta de sentido e o perigo de cogitar lutar contra uma potência nuclear, como a Rússia”, disse o chanceler russo, Serguei Lavrov.
Ao todo, 286 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano, dentre os quais 197 eram indivíduos e 89, organizações. O número é menor do que o do ano passado, quando houve 351 indicações, e do que o de 2016, quando houve uma cifra recorde de 376 candidatos.
Mais curiosidades sobre a lista de indicados, no entanto, só poderão ser sanadas daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram que envolvem, entre outros, líderes de países e quem eventualmente já foi laureado ficam em sigilo por cinco décadas.
O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literatura, química, física e medicina. Uma sexta economia foi adicionada décadas mais tarde, em 1969.
Até a metade do século 20, os laureados na principal categoria eram “políticos ativos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais”.
Desde o fim da Segunda Guerra, porém, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco foi ampliado para incluir iniciativas que tentem conter a crise climática causada pelo homem.
CONHEÇA OS ÚLTIMOS DEZ VENCEDORES DO NOBEL DA PAZ
2023: A ativista dos direitos humanos iraniana Narges Mohammadi, 51, por apoiar a luta das mulheres pelo direito de elas terem vidas plenas e dignas.
– 2022: O ativista da Belarus Ales Bialiatski, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia, por demonstrarem a importância da sociedade civil para a paz e a democracia
– 2021: Os jornalistas Maria Ressa (filipina) e Dmitri Muratov (russo), pela defesa que fazem da liberdade de expressão, pré-requisito para a democracia e a paz duradoura
– 2020: Programa Mundial de Alimentos (PMA), por atuar como uma força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito
– 2019: O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, que assinou acordo de paz que pôs fim a duas décadas de hostilidades com a Eritreia
– 2018: O congolês Denis Mukwege e a iraquiana Nadia Murad, que denunciaram a violência em relação a vítimas de violência sexual como arma de guerra
– 2017: Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (Ican), por chamar a atenção para o risco de armas nucleares
– 2016: Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia que negociou o acordo de paz com as Farc
– 2015: Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia, pela contribuição decisiva na construção de uma sociedade plural no país
– 2014: A paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi, premiados pela defesa dos direitos das crianças e à educação
Redação / Folhapress