SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Restringir somente à física o prêmio Nobel em Física deste ano, concedido por avanços da inteligência artificial, pode ser uma subestimação de sua importância. E quem faz essa avaliação é um físico, Adalberto Fazzio, diretor da Ilum Escola de Ciência do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências.
– Qual a origem do prêmio Nobel? Quanto recebe cada ganhador? Tire suas dúvidas
O prêmio deste ano para ciência da computação, inteligência artificial e aprendizado de máquina contempla todos os campos da ciência”, disse à Folha o pesquisador. “Na biologia, que cada vez mais está se tornando uma ciência quantitativa, o desenvolvimento é enorme. Na área de materiais, a aplicação de IA tem levado à descoberta de materiais e novas propriedades. Certamente o resultado dessas pesquisas em IA estão e continuarão impactando a economia mundial e o conhecimento de modo geral.”
Chama a atenção, na premiação, o rápido tempo de desenvolvimento entre os trabalhos mais elementares de ciência básica, conduzidos pelo americano John J. Hopfield, 91, e pelo britânico Geoffrey E. Hinton, 76, e suas aplicações cada vez mais sofisticadas e abrangentes.
“Isso passou inicialmente por um processo de modelagem física, biológica, de neurociência, que é entender os processos do cérebro, as sinapses, e isso por modelo, com sinapses artificiais, que transmitem a informação como pulsos elétricos”, diz Gabriel Schleder, pesquisador do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do CNPEM e especialista em aplicação de aprendizagem de máquina para ciência de materiais, ao se referir ao trabalho de Hopfield. “E o segundo, Hinton, consegue ir além e fazer aplicações que resolvam problemas mais simples, tanto na área de linguagem, de processamento de áudio, como na área de visão, de entender imagens e processá-las.”
Isso tudo, nos anos 1980, época em que a inteligência artificial parecia ainda um sonho distante, talvez impossível. A partir dali, ficou claro que ao menos aplicações simples poderiam ser desenvolvidas com modelos de redes neurais artificiais. “E foi-se percebendo que o processo escala muito bem, você, empilhando essas operações bastante simples, consegue resolver problemas cada vez mais complexos e interessantes.”
Uma das primeiras aplicações notáveis foi no reconhecimento de escrita de maneira digital, automatizada. Dali o processo saltou para as mais diversas áreas. “Acho que justamente isso que é premiado no Nobel, que não é só ter esse desenvolvimento, conseguir entender o processo, mas ter essas aplicações nas mais diversas áreas.”
De fato, hoje vemos sistemas de IA que se mostram tão sapientes quanto os maiores especialistas em determinadas áreas. Para a análise de imagens que vão de observações astronômicas a exames médicos, a aprendizagem de máquina tem feito diferença fundamental. E o domínio e compreensão da linguagem falada, antes província exclusiva do ser humano, parece estar ao alcance dos principais modelos de linguagem, dos quais se destaca o famoso ChatGPT.
“O Nobel deste ano olha não só para o passado, como costuma ser em algumas edições, mas também para o presente e para o futuro, porque há muitas aplicações já demonstradas ou em desenvolvimento que esse tipo de metodologia consegue oferecer”, conclui Schleder.
SALVADOR NOGUEIRA / Folhapress