Nós estamos no ataque, e estamos com a bola, diz vice de Kamala

CHICAGO, EUA (FOLHAPRESS) – O candidato à Vice-Presidência na chapa de Kamala Harris, Tim Walz, reavivou seu lado de treinador de futebol americano em um discurso inflamado na noite desta quarta-feira (21) ao aceitar a nomeação democrata na convenção do partido, em Chicago.

“Nós estamos no ataque, e estamos com a bola”, afirmou. “Temos o time certo. Kamala é durona, experiente e está pronta. Nosso trabalho agora é ir para as trincheiras”, completou, sob gritos de “coach! Coach! Coach!” -treinador, em português.

“Temos 76 dias [até a eleição]. Isso não é nada. Você pode dormir quando estiver morto”, disse, repetindo uma frase que já se tornou sua marca registrada na campanha.

O tom e a ideia do discurso complementam, de certa forma, a frase de Kamala de que os dois são os azarões da corrida presidencial. Vendo-se como a zebra do campeonato, Walz investiu em motivar sua equipe.

O governador de Minnesota se apresentou na terceira noite da convenção como um homem vindo de uma cidade pequena do Nebraska, nascido em uma família de classe média, que construiu sua carreira como militar e professor de ensino médio -em resumo, um homem comum, ou “normal”, em oposição ao rótulo de esquisitos que cravou nos adversários Donald Trump e J.D. Vance.

“Tinha 24 pessoas na minha turma da escola, e nenhuma delas foi para Yale”, disse, em uma cutucada ao candidato republicano à vice, que se vende como alguém vindo do interior.

Walz relembrou sua entrada memorável para a política, eleito como deputado em um distrito rural de Minnesota que não escolhia um democrata há décadas. “Eu era um professor de ensino médio, com duas crianças pequenas, sem dinheiro e sem experiência política, disputando um distrito profundamente republicano. Mas sabe o quê? Nunca subestime um professor de escola público”, disse, sob sonoros aplausos.

O democrata repassou rapidamente os principais pontos de sua biografia: ressaltou que foi um deputado moderado no Congresso “que aprendeu a negociar com o outro lado sem comprometer seus valores” e um governador que priorizou a classe média com cortes de impostos, investimentos em moradia, redução do preço de remédios, e adoção de café da manhã e almoço de graça em todas as escolas.

“Enquanto outros estados estavam banindo livros, nós estávamos banindo a fome”, disse. A frase forte provocou a reação esperada: o público o ovacionou.

Cumprindo o papel de candidatos a vice, Walz disparou mais ataques diretos aos oponentes, acusando-os de querer cortar programas sociais. Relembrando sua experiência pessoal com tratamentos para infertilidade, ele disse que em seu estado protege-se a liberdade reprodutiva. “Nós respeitamos nossos vizinhos e suas escolhas pessoais, mesmo que a gente não fala as mesmas escolhas, a nossa regra é: cuide da sua própria vida.”

O governador seguiu a cartilha de campanha de Kamala, que tenta capturar um termo chave na política americana historicamente associado aos republicanos: liberdade.

“Quando os republicamos usam a palavra liberdade, eles querem dizer que é liberdade para o governo invadir o consultório do seu médico, para tirarem vantagem dos consumidores. Mas nós, democratas, queremos liberdade para você construir uma vida melhor para você e para quem você ama”, disse. “Liberdade para seu filho ir para a escola sem se preocupar em levar um tiro no corredor.”

A última frase toca em um ponto central da plataforma de Kamala: o combate à violência por arma de fogo. Trump tem usado isso para atacar os democratas, como uma evidência do radicalismo da democrata e sua suposta oposição à segunda emenda constitucional, que garante o direito de posse e porte de armas nos EUA.

Walz, que se orgulha de ser caçador e ter armas, é uma forma de tentar oferecer uma espécie de antídoto a esse discurso.

O candidato a vice não deixou de tocar em uma das principais fraquezas de Trump: sua associação ao impopular e radical Projeto 2025, um plano de governo elaborado por nomes e organizações próximas do ex-presidente, e do qual ele tenta se distanciar.

“Trump e Vance gastam tempo dizendo que não têm nada a ver com isso. Mas eu fui técnico de time de futebol americano, eu sei que quando as pessoas investem em montar um esquema tático, elas vão usá-lo”, alertou.

“Eles estão nos avisando que os próximos quatro anos serão muito piores”, disse. “Mas eu estou pronto para virar a página nesses caras. Repitam comigo: não vamos retroceder”, finalizou, fazendo milhares de pessoas repetirem o que vem se tornando um grito de guerra da campanha.

Antes de Walz subir ao palco, Benjamin Ingman, ex-aluno de Walz, fez um discurso apresentando o antigo professor. Ele chamou ao palco os jogadores do time de futebol americano de ensino médio treinado por Walz, que ganhou um campeonato inédito sob seu comando.

Encerrada a convenção, a delegação de Minnesota ainda ficou um bom tempo no ginásio vazio, entoando gritos de guerra como “trienador Walz” e “nós não vamos retroceder”.

“Tim e Kamala são pessoas que vêm do povo e trabalham pelo povo”, diz Marta Nieves, 87. Enquanto conversávamos, duas pessoas nos interromperam para perguntar onde ela conseguiu o boné camuflado com os nomes “Harris Walz” -um dos itens mais quentes da convenção, é uma referência ao guarda-roupa de tiozão do vice.

Nieves é delegada do Nebraska, terra natal do governador de Minnesota. No sistema de colégio eleitoral da corrida americana, o estado é estratégico: só ele e o Maine preveem a possibilidade de dividir delegados entre os dois candidatos.

Nebraska é predominantemente republicano, mas democratas têm chance de vitória em um distrito, o núcleo urbano de Omaha. A expectativa de uma disputa apertada é tão grande que até esse único voto está sendo batalhado. Na semana passada, Walz estava fazendo campanha lá.

Humor é a novidade mais visível da campanha de Kamala em comparação com a de Biden. Enquando o presidente pintava Trump como uma ameaça à democracia, engrandecendo-o, a vice escolheu apequená-lo, ridicularizando-o. A escolha de Walz mostra a força total nessa aposta.

Até agora, a estratégia parece estar fazendo efeito. O governador é mais vem avaliado do que seu par do lado republicano, mostra uma pesquisa AP-Norc divulgada nesta quarta. Segundo o levantamento, 36% dos americanos têm uma visão positiva do democrata, enquanto, no caso de Vance, esse percentual cai para 27%.

O principal contraste, no então, é do lago negativo: Walz é mal visto por 25%, enquanto o vice de Trump, por 44%.

No entanto, como Vance, o vice de Kamala ainda é relativamente desconhecido: 4 em cada 10 americanos diz que não sabe o suficiente sobre eles para emitir uma opinião.

“Tim entende que nós não governamos um país ou um estado para a direita ou para a esquerda. Tim ganhou sua primeira eleição reconhecendo que nosso trabalho é mover as pessoas para o futuro, não importa o quanto Donald Trump tente nos levar ao passado”, disse o governador do Kentucky -derrotado por Walz na corrida pela vaga de vice- na manhã desta quarta.

Walz discursou após uma apresentação dos músicos John Legend e Sheila E., durante o horário nobre da convenção -o trecho entre 20h e 22h, no horário local- apresentado pela atriz e produtora Mindy Kaling. A mesma noite incluiu um show de Stevie Wonder e uma aparição surpresa de Oprah Winfrey, que roubou a cena.

No rol das celebridades políticas, foram escalados para o penúltimo dia da convenção o ex-presidente Bill Clinton, a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, os governadores Josh Shapiro e Wes Moore, e a senadora Amy Klobuchar.

O lineup estrelado sucede uma balada na véspera, quando um DJ comandou o normalmente monótono processo de votação de cada delegação estadual no candidato do partido à Presidência e Vice-Presidência. Fizeram aparições no bloco o rapper Lil Jon, o diretor Spike Lee e a atriz Eva Longoria.

Rapidamente, uma montagem com os vídeos da festa e a versão tradicional da votação que ocorreu na convenção republicana no mês passado foram compartilhados pela campanha de Kamala.

Rumores de aparições surpresa de outras celebridades correm os corredores do United Center, que sedia a convenção. Os nomes mais quentes são o de Beyoncé, cantora da música-tema de Kamala, “Freedom”, e de Taylor Swift, que encerrou na terça seu tour pela Europa.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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