WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), a demarcação de terras indígenas também foi alvo de disputas e conflitos em países com larga extensão territorial comparável à brasileira e de colonização recente, como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália.
No Brasil, a Justiça julga processo que envolve a Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, em Santa Catarina, onde se encontra o povo xokleng, e vai decidir sobre o marco temporal, teoria que diz que os povos indígenas só teriam direito a territórios que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, quando a atual Constituição foi promulgada.
A primeira terra indígena homologada no país, no entanto, vem de antes disso. Foi o Parque Indígena do Xingu, demarcado em 1961. E a primeira regulamentação sobre reserva indígena em território brasileiro vem do tempo da colônia, em um alvará régio (espécie de decreto real) de 1680, que reconhecia o direito de povos nativos a seu território original.
Nos EUA, os primeiros acordos também remontam ao período colonial, em tratados para apaziguar conflitos ou garantir a lealdade de determinados grupos contra inimigos em comum. Uma das primeiras é de 1646, a reserva dos Pamunkey, no norte do estado da Virgínia.
Em 1758, a Coroa Britânica cedeu território em Nova Jersey para que indígenas não lutassem ao lado dos franceses nas batalhas da Guerra dos Sete Anos que respingaram nas colônias americanas. Assim, surgiu a reserva de Brothertown, ocupada pelo povo Lenape, também chamado de Delaware (que dá nome a outro estado americano). A pressão dos colonos e dos americanos após a independência sobre o território, porém, acabou por expulsar os indígenas de lá para o oeste no começo do século 19.
É no oeste dos EUA onde fica a maior parte das terras indígenas reservadas hoje, parte delas formada a partir de uma lógica oposta à do marco temporal: não por indígenas que habitavam historicamente aquelas regiões, mas por povos nativos que foram empurrados pela ocupação territorial que começou no leste e avançou para o oeste.
É o caso da etnia Cherokee, que vivia em territórios próximos à costa leste do país à época dos primeiros contatos com os ingleses, no século 17, e acabou migrando para reservas em Oklahoma, no centro do que são os Estados Unidos hoje. A maior delas, a Nação Cherokee, tem 1,8 milhão de hectares e foi cedida após tratado em 1866 com o governo federal ao fim da Guerra Civil.
A maior terras indígenas do país é a Reserva da Nação Navajo, localizada entre os estados de Arizona, Novo México e Utah, no sudoeste do país, com 6,5 milhões de hectares, maior do que dez dos 50 estados americanos.
Ao todo, há nos Estados Unidos 22,7 milhões de hectares de terras indígenas, equivalente a 2,3% da área do país, divididos em 326 reservas. O país tem 1,3% da população identificada como população nativa, o equivalente a 5,3 milhões de pessoas. Segundo o censo de 2020, 87% dessas pessoas vivem fora de reservas demarcadas.
No Brasil, são 117 milhões de hectares de terras demarcadas, cerca de 13,8% do território brasileiro, segundo o Instituto Socioambiental. O país tem cerca de 1,6 milhão de indígenas, segundo número preliminar do último censo -o número final ainda não foi divulgado.
Foi comum ao longo do processo americano de demarcação de reservas a fragmentação de áreas supostamente protegidas, sobretudo após a lei de Dawes de 1887, que deu a propriedade das terras para que os nativos pudessem vendê-las. Historiadores avaliam que cerca de 40 milhões de hectares deixaram de ser reservas até 1934, quando o presidente Franklin D. Roosevelt proibiu novos loteamentos.
As condições de vida nas reservas são consideradas precárias. O índice de pobreza nesses locais é de 29,4% da população, quase o dobro da média nacional, de 15,3%, segundo dados do governo. A renda média entre indígenas é de US$ 35 mil por ano, enquanto a média geral é de US$ 51 mil.
As reservas gozam de autonomia administrativa e não estão subordinadas às leis estaduais. Cassinos são uma das principais fontes de renda em reservas: há mais de 500 deles em pelo menos 30 estados. Segundo a entidade que regula o setor, a indústria de jogos em reservas movimentou US$ 48,4 bilhões no ano passado, número recorde.
Hoje são raros os processos de novos reconhecimentos. O mais recente se deu com a reserva Little Shell (pequena concha) dos indígena Chippewa, de Montana, em dezembro de 2019, após 125 anos buscando reconhecimento federal.
Já no Canadá os povos originários se dividem hoje em três grandes grupos. As “primeiras nações”, que vivem mais ao sul, os inuítes (esquimós) e os métis (mestiços, em francês), que somam 1,8 milhões ou 5% da população. Há 3.394 reservas, também conquistadas em processos turbulentos. As primeiras remontam a 1637, quando missionários franceses encorajaram povos indígenas a se estabelecer em um lugar e adotar o cristianismo.
Assim como no restante do continente, houve um processo violento de aculturação dos povos originários, e o maior exemplo no Canadá é o dos internatos para crianças indígenas. As chamadas escolas residenciais, em sua maior parte administradas pela igreja católica, funcionaram do século 19 aos anos 1990 e cerca de 150 mil indígenas passaram por elas. As crianças eram proibidas de falar suas línguas maternas e tinham acesso dificultado às próprias famílias.
Houve casos de agressão, abuso sexual e mortes em números até hoje incertos. Só em 2021, mil covas anônimas de crianças foram descobertas em três escolas diferentes. Em janeiro deste ano, o governo concordou em pagar US$ 2 bilhões em indenizações em um processo que o acusava de genocídio cultural.
A separação de crianças de suas comunidades também aconteceu na Austrália, outro país que mantém ampla população nativa. Por lá, também foram criadas reservas como a de Coranderrk, na região de Melbourne, em 1863, para receber indígenas que perderam suas terras com o avanço da colonização –Coranderrk já não existe mais, porque os nativos foram outra vez removidos para outras áreas.
O país tem hoje 984 mil aborígenes, ou 3,8% da população. O governo criou 87 milhões de hectares de reservas protegidas nas últimas décadas, equivalente a 13% do território australiano.
Redação / Folhapress