‘Nosso negócio não é terra’, diz presidente da Paper Excellence

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em sua primeira entrevista em cinco anos sobre a disputa com a J&F, dos irmãos Batista, pela Eldorado Celulose, o diretor-presidente da Paper Excellence, Cláudio Cotrim, afirma não ter interesse na posse de terras.

Como prova disso, o executivo afirmou à reportagem que a Paper decidiu firmar um compromisso de que, quando tiver o controle da Eldorado, vai se desfazer dos cerca de 14 mil hectares de posse da empresa.

“Protocolamos nesta quarta-feira [13], no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e também enviamos para o Advogado-Geral da União, requerimento solicitando a abertura de um processo administrativo para formalizar um termo de compromisso”, afirmou o executivo.

“Após a aquisição da Eldorado, nos comprometemos em vender as terras e a converter todos os contratos de arrendamento em parceria rural, que, pela legislação, é aceita. Dessa forma, a gente soluciona de uma vez o problema. A terra representa 0,6% do valor de um negócio de R$ 15 bilhões. É irrelevante. Nosso negócio não é terra. Não precisamos de terras.”

Depois de ganhar na arbitragem e superar uma discussão no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), a Paper passou a ser questionada sobre o tratamento dado à questão da posse de terras. A empresa é brasileira, mas controlada pelo empresário indonésio de ascendência chinesa Jackson Wijaya. A legislação nacional determina que estrangeiros precisam submeter projetos em áreas rurais ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e, em caso de extensões maiores e na fronteira, ao Congresso Nacional.

Cotrim espera que o compromisso com o governo deixe claro qual é o foco do negócio. “Estamos comprando um complexo industrial. Compramos ações de uma empresa que tem uma fábrica gigante, que tem um porto, que tem um escritório na Áustria.”

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PERGUNTA – Na longa disputa com a J&F em relação a Eldorado, o impasse agora trata da questão de a Paper Excellence, uma empresa estrangeira, não ter notificado o Incra que teria a posse de terra, algo que a lei restringe. O Incra entende que deveria ter sido notificado. Parece que se instalou um impasse. Como avançar na discussão?

CLÁUDIO COTRIM – Na verdade, hoje, o único efeito suspensivo que impede a transferência das ações é a liminar do TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região]. Existe, sim, um processo administrativo dentro do Incra sobre a questão. A nossa interpretação é que, analisando toda a legislação de investimento estrangeiro e a aquisição de imóveis em zona rural, ela não se aplica ao nosso caso específico.

P – Por que não se aplica?

CC – Porque nós estamos comprando um complexo industrial. Compramos ações de uma empresa que tem uma fábrica gigante, que tem um porto, que tem um escritório na Áustria, e que também tem ali 14 mil hectares de terra própria e arrendamentos. Essa é nossa interpretação, e também era a da J&F no momento da assinatura do contrato, que foi acompanhada pelos melhores advogados.

No dia em que nós assinamos o contrato de venda, o comprador queria comprar, o vendedor queria vender. Ninguém trouxe essa questão em nenhum momento. Hoje, o vendedor não quer vender. Então, para nós, essa questão de terra para estrangeiro está sendo mais um instrumento para a J&F não entregar o que ela vendeu -que é a Eldorado.

P – Mas essas terras ficariam sob propriedade de uma empresa estrangeira…

CC – Ficariam, mas é diferente. A restrição é no momento da aquisição de um imóvel. A lei de 1971 traz restrição para o registro de um imóvel rural.

P – A discussão é que vocês, na condição de empresa estrangeira, antes de fechar o negócio, teriam que ter consultado o Incra.

CC – O novo entendimento do Procuradoria Federal Especializada do Incra é que isso teria de ser feito até o momento da mudança do controle [e não antes da celebração do contrato de aquisição]. Para solucionar esse problema de uma forma definitiva, protocolamos nesta quarta [13] no Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar -e também enviamos para o advogado-geral da União- requerimento solicitando a abertura de um processo administrativo para formalizar um termo de compromisso.

Após a aquisição da Eldorado, nos comprometemos em vender as terras e a converter todos os contratos de arrendamento em parceria rural, que, pela legislação, é aceita. Dessa forma, a gente soluciona de uma vez o problema. A terra representa 0,6% do valor de um negócio de R$ 15 bilhões. É irrelevante. Nosso negócio não é terra. Não precisamos de terras.

Por isso, a nossa interpretação continua a mesma -que o nosso caso específico não requer essa autorização prévia do Congresso Nacional e do Incra. Mas, com o objetivo de neutralizar esse argumento que a J&F trouxe puramente de má-fé, para impedir a transferência das ações, a gente firma um termo de compromisso amplo, com todas as autoridades, garantindo imediatamente a venda da terra e a conversão de todos os contratos arrendamento.

P – O sr. disse que a J&F está usando a questão das terras como argumento, mas, na verdade, essa discussão não foi levantada pela J&F, nem na Justiça, nem no Incra.

CC – Houve uma estranha denúncia anônima, onde uma ação se viu pública no Mato Grosso do Sul, e houve uma ação popular movida pelo ex-prefeito Chapecó. Existem documentos dentro do processo que só a Eldorado poderia ter. A J&F foi chamada na ação e se manifestou com essa teoria. Essa é a posição dela dentro dos processos.

P – No aspecto prático, o que Paper espera com esse pedido?

CC – O que a gente quer é que a PGF [Procuradoria-Geral Federal] acompanhe o Incra e que o compromisso da Paper tire toda essa incerteza para que, de forma definitiva, o Judiciário possa retirar o impedimento para a transferência das ações.

P – O ministério e a AGU podem rejeitar o requerimento da Paper?

CC – Qual seria o argumento para isso? Acho difícil achar uma razão para que esse termo de compromisso não seja aceito. Estamos, basicamente, nos comprometendo, imediatamente após a transferência das ações, a vender de forma definitiva as terras e a converter todos os contratos de parceria.

Deixamos claro que respeitamos a soberania nacional, e que o nosso caso de forma alguma fere essa questão. É a pá de cal. Finaliza, de uma vez por todas, essa discussão. Se há alguém que, de alguma forma, interprete a aquisição da Eldorado pela Paper como um ato que fere a soberania nacional, esse termo de compromisso resolve, de uma vez por todas, a discussão.

P – Brigas entre acionistas costumam prejudicar empresas. Essa discussão que se alonga por cinco anos está causando algum prejuízo para a Eldorado?

CC – Operacionalmente, não, mas retarda investimentos e prejudica o crescimento da empresa. O acionista da Paper tinha a intenção de construir a linha dois quando assumisse 100%. Mas o vendedor, de forma maliciosa, obstou aquisição.

P – Seria um investimento de quanto?

CC – US$ 4 bilhões, aproximadamente R$ 20 bilhões. Seria o equivalente ao Projeto Cerrado, da Suzano [empreendimento no Mato Grosso do Sul de celulose de eucalipto que é apontado como a maior linha única do mundo].

P – Sempre se espera que acionistas consigam negociar um entendimento. Por que não houve acordo?

CC – O presidente do tribunal arbitral pediu que as partes se encontrassem há cerca de um ano, e Jackson, em deferência, aceitou ir a uma reunião em Frankfurt. A conversa não foi razoável.

P – Por quê?

CC – Joesley falou que tinha contatos políticos no Brasil, que Jackson sabia desses contados, e sugeriu devolver o dinheiro que a Paper pagou pelos 49%.

P – Por que ele não desistiu do negócio?

CC – Porque avalia que tem direito, né? Comprou e agiu de boa-fé em todo momento. Acha um absurdo tudo isso.

P – Em quantos lugares no mundo, o Jackson tem negócios?

CC – França, Estados Unidos, Canadá e Brasil.

P – E como ele qualifica a situação no Brasil?

CC – Única.

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TRÊS PONTOS PARA ENTENDER EM QUE FASE ESTÁ A DISPUTA

– Uma denúncia anônima feita no Mato Grosso do Sul levou o Incra a avaliar o negócio. O órgão chegou a solicitar a anulação da compra, baseado no entendimento de que a Paper não havia pedido as autorizações previstas em lei

– Em outra frente, uma ação popular na Justiça Federal de Santa Catarina, apresentada pelo ex-prefeito de Chapecó Luciano José Buligon, argumentou que o negócio põe em risco a soberania nacional. O TRF-4 acolheu o pedido e impede a transferência das ações com uma liminar

– O ministro Kassio Nunes Marques, responsável pelo caso no STF (Supremo Tribunal Federal), marcou para próxima segunda-feira (18) uma audiência de conciliação entre as partes, na tentativa de sanar as divergências entre J&F e Paper

RAIO-X | CLÁUDIO COTRIM, 58

Formado em administração pela Unifacs, Universidade Salvador, com MBA em finanças empresariais pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), atuou por dois anos como diretor financeiro da Bracell na China (Hong Kong e Xangai). Desde 2015, está no comando da Paper Excellence no Brasil

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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