RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O resultado do leilão de áreas para exploração de petróleo realizado pelo governo na quarta-feira (13) reforça que o país ainda atrairá investimentos no setor por muito tempo, apesar das pressões pela eliminação gradual dos combustíveis fósseis na COP28.
Foi o leilão com o maior número de blocos concedidos desde que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) inaugurou o modelo atual de oferta, em 2019, mesmo diante de protestos de entidades ambientalistas.
A concorrência reforçou ainda a busca das petroleiras por novas frentes de exploração no país para além da margem equatorial, hoje vista como principal alternativa para compensar o declínio do pré-sal, que responde por três quartos da produção nacional de petróleo.
“O petróleo ainda será consumido por algumas décadas”, diz o consultor David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP, resumindo o argumento do setor para se comprometer com pesados investimentos mesmo diante dos alertas de emergência climática.
Serão ao menos R$ 2 bilhões nas áreas concedidas fora do pré-sal e outros R$ 360 milhões em uma área do pré-sal. Segundo os contratos, esses recursos devem ser destinados a pesquisa do subsolo e, em caso de descobertas, podem se multiplicar.
Em relatório divulgado na quinta-feira (14), a consultoria Wood Mackenzie afirmou que o resultado do leilão traz otimismo à indústria de petróleo do país após decepções recentes. Parte desse otimismo, afirmou, está na esperança do desenvolvimento de novas fronteiras exploratórias.
Foram duas novas frentes de exploração aberta, a bacia de Pelotas e a exploração fora das águas territoriais brasileiras. A bacia do Paraná, ainda pouco explorada, também recebeu lances no leilão e terá um reforço da atividade.
Na bacia de Pelotas, no Rio Grande do Sul, o interesse foi renovado após descobertas gigantes na Namíbia, área com características geológicas semelhantes. Ao todo, 44 blocos na região foram arrematados no leilão de quarta.
Em estudo sobre o potencial remanescente de petróleo no país, o geólogo Pedro Zalán aposta que a bacia de Pelotas está “fadada à mudança de patinho feio para um belo cisne”. Tem semelhanças, além da Namíbia, com a Guiana, onde descobertas gigantes criaram um conflito geopolítico no continente.
Zalán diz acreditar na possibilidade de descoberta de um “campo supergigante de gás” no alto de Torres, no litoral norte, e de “alguns bilhões” de barris no litoral sul. Não houve descobertas até agora, afirma, porque a exploração se concentrou em águas rasas.
Na bacia de Santos, hoje a principal produtora do país, o governo conseguiu conceder uma área fora do limite de 200 milhas das águas territoriais brasileiras, onde estima-se haver um “espelho do pré-sal”, com base na indicação de formações geológicas semelhantes às que contém hoje as maiores reservas de petróleo do país.
A região conhecida como polígono do pré-sal já teve os principais prospectos concedidos e hoje não atrai mais tanto interesse exploratório no leilão de quarta, apenas uma entre cinco áreas recebeu oferta. A primeira exploração para além das águas brasileiras será feita pela norueguesa Equinor.
Na bacia do Paraná, que também teve bloco arrematado no leilão, a vocação é para campos de gás, segundo Zalán. Foi uma das primeiras bacias exploradas no Brasil, mas a última a ter produção ainda assim, uma produção pequena, de 20 mil metros cúbicos de gás por dia.
Tem hoje sete contratos assinados de exploração, concentrados em Mato Grosso do Sul, oeste de São Paulo e sul de Goiás. A retomada do interesse na região é recente, após descobertas de gás natural na bacia do Parnaíba, no Maranhão.
Descobridora no Maranhão, a Eneva prepara para 2024 o início de uma campanha de pesquisa sísmica, espécie de ultrassonografia do subsolo, em seus blocos em Mato Grosso do Sul. A empresa aposta na utilização de gás natural no transporte de cargas, como na Argentina e na Europa.
O sucesso dessa empreitada garantiria a primeira descoberta de petróleo e gás do Centro-Oeste brasileiro.
Em entrevista após o leilão de quarta, o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, disse que foi um “excelente resultado para o Brasil”. “O leilão demonstrou que há interesse das companhias em áreas de novas fronteiras.”
Realizado um dia após o encerramento da COP28 e sob protestos de organizações ambientalistas, o leilão teve 17 empresas ofertantes, o maior número desse novo modelo inaugurado em 2019. O número de áreas arrematadas também foi recorde.
Mesmo desconsiderando as 122 áreas que foram concedidas a uma novata que surpreendeu o mercado ao se tornar a maior concessionária de exploração do país em número de blocos, ainda foi bem maior do que o recorde anterior, de 59 áreas concedidas em 2022.
“Independentemente do resultado do leilão em volume de contratação, o sinal de oferecer um volume recorde de blocos mostra uma grande desconexão do Brasil com a urgência de descontinuar o uso de combustíveis fósseis”, diz Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Iema e coordenador da Coalizão Energia Limpa.
“A contribuição brasileira nas negociações em pressionar para o financiamento da transição do Sul Global não pode ser dissociada do compromisso em parar de ampliar a estrutura de exploração e uso de combustíveis fósseis, tanto para uso doméstico quanto internacional.”
O setor defende que o mundo continuará precisando de petróleo e que a produção brasileira, menos poluente, é ideal para garantir essa demanda até o fim.
“A eventual paralisação da produção de petróleo no Brasil não contribuiria para a redução de emissões, apenas nos tornaria mais pobres e mais dependentes de países produtores com pegada de carbono maior”, afirmou Saboia, antes do leilão.
NICOLA PAMPLONA / Folhapress