SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Criada há mais de cem anos, a vacina BCG (sigla para bacilo Calmette-Guerin), que imuniza bebês contra as formas mais graves de tuberculose, é ineficaz para adolescentes e adultos. Hoje há um esforço mundial na busca de novos imunizantes para esse público.
Há pelo menos 15 candidatas a novas vacinas sendo estudadas, mas os ensaios clínicos esbarram no subfinanciamento crônico das pesquisas nessa área.
O diagnóstico é de pesquisadores, gestores e representantes da sociedade civil que participam do maior encontro mundial sobre vacinas contra a tuberculose, que acontece no Rio de Janeiro até quinta-feira (10).
Na avaliação dos especialistas, uma única vacina não será suficiente para acabar com a ameaça global da tuberculose, doença responsável por 10 milhões de novos casos e 1,5 milhão de mortes por ano no mundo. No Brasil, casos e mortes causadas pela doença estão aumentando.
“Precisamos urgentemente de várias vacinas eficazes que funcionem em todas as populações e sejam globalmente e equitativamente acessíveis a todos os países”, afirmou à reportagem Mark Feinberg, presidente da IAVI, organização de pesquisa científica sem fins lucrativos que desenvolve vacinas e anticorpos para HIV, tuberculose e doenças infecciosas emergentes.
Em 2023, líderes mundiais se comprometeram a investir US$ 5 bilhões por ano em pesquisas sobre novas vacinas contra tuberculose até 2027.
A estimativa é que seja necessário um investimento anual de US$ 1,25 bilhão em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos imunizantes contra a doença. Segundo Feinberg, os valores nunca ultrapassaram US$ 145 milhões por ano.
“Devemos, portanto, aumentar o financiamento em quase dez vezes para atender à necessidade e conduzir a pesquisa necessária para trazer novas vacinas.”
No ano passado, a Fundação Gates e a Wellcome investiram US$ 550 milhões em ensaios clínicos de fase 3 de uma das candidatas à vacina (M72/AS01E). O estudo deve levar ao menos quatro anos para ser concluído.
“Embora isso represente uma injeção importante de fundos, quase cinco vezes o que o mundo gasta em vacinas contra tuberculose a cada ano, foi totalmente filantrópico. Não podemos depender apenas de financiamento filantrópico para entregar novas tecnologias de saúde urgentemente necessárias”, reforça Feinberg.
Na sua opinião, as primeiras candidatas à vacina a cruzar a linha de chegada também não podem ser as últimas. “Precisamos continuar a investir para desenvolver candidatos de próxima geração que serão mais eficazes e mais acessíveis.”
Em um estudo concluído em 2018, a candidata à vacina M72/AS01E demonstrou uma eficácia de 50% na prevenção da tuberculose em adolescentes e adultos. Para Feinberg, esses resultados, se confirmados nos estudos de fase 3, trazem um enorme impacto socioeconômico e de saúde pública.
Segundo projeções, ao longo de 25 anos, seriam evitadas entre 37,2 e 76,0 milhões de casos de tuberculose e entre 4,6 e 8,5 milhões de mortes, com um retorno sobre investimentos de até US$ 372 bilhões. “Cada US$ 1 investido na entrega de uma nova vacina para adolescentes e adultos deve gerar US$ 7 em retornos econômicos e de saúde no mesmo período”, diz Feinberg.
De acordo com ele, a IAVI está fazendo parceria com a empresa biofarmacêutica espanhola Biofabri para o desenvolvimento de estudo clínico de fase 2 de uma outra candidata à vacina para a prevenção da doença em bebês, adolescentes e adultos.
A expectativa é que novas vacinas possam estar prontas para licenciamento ainda nesta década. “Isso só será possível se governos e outros financiadores aumentarem substancialmente o financiamento adequado, previsível e sustentável para P&D de vacinas contra a tuberculose.”
Na avaliação de Jeremy Farrar, 63, cientista chefe da OMS (Organização Mundial da Saúde) e professor de medicina tropical na Universidade de Oxford, à medida que as candidatas à vacina avançam para a fase 3 da pesquisa clínica, a produção precisará ser ampliada para garantir o fornecimento.
“Um fabricante de vacinas precisará investir em sua comercialização, trazendo consigo questões complexas relacionadas a riscos, como garantia de demanda, custo e aceitação, equidade, processos regulatórios e de políticas antecipados e cronogramas que precisam ser delineados.”
Segundo ele, na Covid, houve o aprendizado do quão importante é assumir todas essas tarefas em paralelo, em vez de em sequência como usualmente acontece, o que levou a um rápido acesso a vacinas seguras e eficazes. “Essas são lições que podem e devem ser aplicadas à tuberculose também.”
O desenvolvimento de novas vacinas contra tuberculose também esbarra desafios técnicos. O mais significativo é a compreensão limitada dos antígenos protetores e das respostas imunológicas necessárias que podem oferecer proteção, explica Farrar.
“Isso é essencial para poder comparar e fazer a ponte imunológica entre os candidatos à vacina e, portanto, reduzir o tempo e o custo dos programas atuais e futuros de desenvolvimento de vacinas.”
Este projeto é uma parceria com a Umane, associação que apoia iniciativas no âmbito da saúde pública
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress