RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Há algo um tanto homoerótico na divulgação do filme “Deadpool & Wolverine”. Num dos cartazes, os dois protagonistas unem as mãos para formar um coração. Noutro, o braço de Deadpool roça as garras rígidas e afiadas de Wolverine. Um terceiro mostra os heróis abraçados, como se dançando valsa, numa paródia de “A Bela e a Fera”.
Esse clima de “bromance” dá o tom do terceiro filme do herói Deadpool, que contratou Hugh Jackman para ser de novo Wolverine sete anos após o ator afirmar que o filme “Logan” marcaria sua despedida definitiva do personagem.
A aposentadoria não durou muito tempo. Jackman se arrependeu quase imediatamente de dizer adeus a seu principal papel, ele diz nesta entrevista, e agora retorna numa versão menos arisca do mutante carrancudo.
“Na época pareceu que eu tinha encontrado a forma perfeita de finalizar minha relação com o Wolverine. Mas, três dias depois de decidir que precisava seguir em frente, assisti ao primeiro ‘Deadpool’ e pensei ‘nossa, esse é um mundo totalmente novo'”, ele conta, lembrando o filme lançado em 2016, um ano antes de “Logan”. “Percebi que o universo daquela trama poderia trazer à tona um novo lado do Wolverine e também de mim.”
Jackman e Ryan Reynolds, ator que faz o Deadpool, emulam na vida real o mesmo “bromance” dos seus personagens, um tipo de intimidade entre homens que beira a de namorados. Na semana passada, brasileiros puderam ver de perto como os dois astros não se desgrudam –eles viajaram para o Rio de Janeiro em turnê de divulgação do filme.
É curioso ver o Wolverine de Jackman, antes tão bruto, nesse contexto libertino. De barba cheia com os músculos de fora, o australiano não precisou de muitos filmes para fincar suas garras no imaginário popular e fazer da sua cara de mau o retrato perfeito do mutante taciturno que existe desde os anos 1970 nos gibis. Sua primeira aparição como Wolverine ocorreu em “X-Men”, de 2000, papel que ele reprisou outras nove vezes.
Em meio à ressaca do cinema de super-heróis, um nicho desgastado depois de dezenas de filmes parecidos, a Marvel aposta no apelo nostálgico de Jackman para seduzir os fãs antigos e, ao mesmo tempo, tenta trazer o velho mutante aos tempos de hoje para conversar com as novas gerações.
Reynolds, que também é roteirista de “Deadpool & Wolverine”, diz não ter feito o filme para debater machismo, mas concorda que ele ajuda a quebrar o ideal de macho alfa que impera no cinema de ação. “O Deadpool é muito feminino. Ele tem um lado que vai além daquela masculinidade supertóxica. Por isso adoro o equilíbrio entre ele e o Wolverine”, diz.
Deadpool sempre fora mesmo despreocupado com convenções de gênero e sexualidade. No novo filme, ele faz piada com sexo gay, admira a barriga tanquinho de Wolverine e trucida seus inimigos em meio a uma coreografia de “Bye Bye Bye”, da boy band ‘N Sync.
Para garantir a feminilidade do personagem, Reynolds às vezes dispensa dublês. “Eles são muito machões. Quando caem no chão, por exemplo, levantam e saem andando como uma pessoa comum. Então acabo fazendo acrobacias que talvez não devesse para garantir que a natureza do personagem apareça.”
Wolverine, por sua vez, ainda é o ranzinza de outrora, mas ganha contornos menos durões. Na trama, assombrado por um erro que aniquilou seus entes queridos, ele é forçado a ajudar Deadpool a salvar um dos planetas Terras que coexistem no multiverso. Os dois não se entrosam de primeira, mas são obrigados a deixar as picuinhas de lado para lutar contra a vilã Cassandra Nova, que comanda um universo habitado por heróis e vilões exilados.
“Brincamos com a ideia de unir essa dupla por uns cinco anos, até que há dois anos eu percebi que queria muito voltar e que não parecia certo não fazer isso”, diz Jackman. “Cuidamos para que a volta do Wolverine seja justificada.”
O mutante está mais profundo do que nunca, o ator acrescenta –ainda que essa tenha sido a mesma pegada do dramático “Logan”, de 2017.
“Antes havia partes do personagem que eu achava difícil externalizar. E dessa vez conseguiram me fazer pôr para fora. As pessoas ainda vão reconhecer o Wolverine, mas vão sair com a sensação de
que sabem mais sobre ele.”
Jackman não foi o único a se encantar pelos filmes do Deadpool. Com dois longas celebrados pelos fãs e elogiados pela crítica, o anti-herói debochado da Marvel fez sucesso por ir contra o politicamente correto que vinha guiando as histórias de super-heróis.
Havia dúvidas se este terceiro capítulo seria tão explícito quanto os anteriores, que abusam dos palavrões, do sangue e de piadas de sexo. Isso porque, nesse ínterim, a Disney comprou a Fox, estúdio que tinha os direitos do Deadpool e dos X-Men. Muitos fãs pensavam que a empresa do Mickey criaria limites para o lado escrachado do personagem.
Isso não aconteceu. O novo filme é repleto do mesmo humor sujo dos outros e ainda satiriza o temor da audiência, botando o Deadpool para questionar os limites do que pode ou não fazer sob o logo da Disney. A certa altura, ele faz uma brincadeira envolvendo a brancura da cocaína e a neve da franquia “Frozen”.
“O que Kevin Feige [chefe da Marvel] disse foi ‘se fizer sentido, vá em frente'”, afirma Reynolds. “Fiquei muito satisfeito que os caras da Disney viram e não fizeram nenhuma observação, exceto por uma frase do texto, que eu acabei retirando”, ele diz, sem contar qual foi a parte censurada.
O ator canadense gosta tanto do seu Deadpool que incorporou seu jeito desbocado. Depois de Jackman contar por que aceitou vestir as garras de novo, Reynolds interrompe a entrevista e diz “essa razão que ele deu é muito mais bonita que a verdadeira”. “Hugh precisava de um emprego, na verdade, porque estava afundado em negócios envolvendo criptomoedas”, ele diz, com cara de quem conta um segredo.
Jackman ri e brinca que talvez ainda volte a trabalhar com as moedas digitais, um tipo de transação de segurança duvidosa que já fez muita gente perder dinheiro. “É, eu estava endividado”, ele diz.
DEADPOOL & WOLVERINE
Quando: Estreia nesta quinta-feira (25) nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Ryan Reynolds, Hugh Jackman e Emma Corrin
Direção: Shawn Levy
GUILHERME LUIS / Folhapress