SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem vê os sedimentos terrosos em um barranco no município de São João de Polêsine, no interior do Rio Grande do Sul, não imagina que ali foram descobertos restos de um animal que pode trazer informações importantes sobre a evolução da linhagem que originou, de um lado, os dinossauros e, de outro, os pterossauros.
Paleontólogos brasileiros encontraram os restos fossilizados do réptil Venetoraptor gassenae, um integrante da linhagem Pterosaurmorpha, que inclui pterossauros. O dono do novo fóssil seria “primo” dos répteis voadores que viveram do final do período Triássico até o final do Cretáceo.
O achado joga luz sobre o grupo que inclui o ancestral dos pterossauros e dinossauros, com algumas características únicas, como a presença de um bico e garras imponentes.
Com idade estimada em 230 milhões de anos (Triássico Médio), o fóssil é um lagerpetídeo, grupo que inclui répteis de tamanho reduzido, garras poderosas para escalar e habilidades saltadoras. Eles são considerados os parentes não voadores mais próximos dos pterossauros.
Porém, o registro fóssil desse grupo era ainda limitado a alguns poucos espécimes. O Venetoraptor é o segundo representante do grupo com material craniano conhecido.
O artigo descrevendo a nova espécie foi a capa da edição desta quarta-feira (16) da prestigiosa revista Nature. Além de pesquisadores do Brasil, o estudo conta com cientistas da Argentina e Estados Unidos.
Segundo o paleontólogo Rodrigo Müller, diretor do Cappa (Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia), ligado à UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) e primeiro autor do estudo, além da espécie nova, a descoberta revela que os lagerpetídeos exibiram uma diversidade morfológica maior do que imaginado antes.
Tanto os dinossauros quanto os pterossauros evoluíram uma variedade de formas até serem extintos. Os lagerpetídeos, por sua vez, eram limitados a alguns poucos espécimes, com grande parte da sua anatomia ainda desconhecida. A equipe liderada por Müller descreveu em detalhes o esqueleto parcial de V. gassenae, inclusive, a presença de uma mão com garras afiadas.
“A ideia de que todos eram saltadores e cursoriais veio da descrição do fóssil Lagerpeton, mas agora a gente observa uma variedade maior, com essas garras especializadas para alguma coisa, não sabemos bem se era para escalar árvores, acreditamos que sim”, disse.
Tal morfologia se assemelha mais aos répteis do grupo encontrados em localidades onde hoje é a América do Norte, e não a outros encontrados na América do Sul. “Isto indica que ocorreram pulsos de dispersão desse grupo da região Norte para Sul em um mesmo momento em que houve essa dispersão para os dinossauros”, afirma o paleontólogo.
Além disso, uma análise das relações de parentesco do fóssil com os demais do grupo permitiu quantificar as vezes que cada um dos “morfotipos” (em linhas gerais, o padrão corporal básico, também chamado de bauplan) dos lagerpetídeos, dinossauros e pterossauros surgiram no grupo. “Houve esse episódio evolutivo importante no grupo com uma disparidade de formas muito antes mesmo da diversificação dos dinossauros e pterossauros”, explica Müller.
REGIÃO É POLO PALEONTOLÓGICO
O local da descoberta é conhecido como sítio Buriol, no município de São João de Polêsine, próximo à Santa Maria, região onde foram encontrados os mais antigos dinossauros conhecidos no mundo. A região é abundante em sedimentos triássicos que podem ainda revelar novas formas tanto dos primeiros dinossauros como dos répteis não voadores mais próximos dos pterossauros.
O nome genérico do novo fóssil tem referência à localidade turística Vila Vêneto, no município onde foi encontrado o material, e raptor, devido ao seu hábito raptorial. Já o nome específico homenageia a professora Valserina Maria Bulegon Gassen, fundadora do Cappa/UFSM.
Segundo Müller, a região é um polo paleontológico, que contribui com diversas descobertas, mas também necessita de uma valorização constante, tanto através da atividade de pesquisadores na região como com a formação de recursos humanos. “O olhar do mundo todo, quando se pensar na origem de pterossauros e de pterossauromorfos, vai ter que se voltar para o Brasil, com certeza”, completa o paleontólogo.
O novo fóssil será exibido na exposição do Cappa/UFSM, inclusive com o material original, para estimular o interesse do público e de jovens pesquisadores pela pesquisa na região.
ANA BOTTALLO / Folhapress