SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Templos religiosos serão beneficiados por duas mudanças no texto que revisa o Plano Diretor de São Paulo, caso esse projeto de lei seja aprovado pelos vereadores paulistanos.
A proposta prevê que esses espaços não precisarão mais cumprir a função social da propriedade. É ela que garante o uso adequado de um imóvel segundo os interesses da sociedade, e não apenas do dono do imóvel. Manter o espaço subutilizado ou vazio não pode, por exemplo.
Acontece que a nova redação desobriga “templos de todo culto” de cumprirem a exigência, assim como sedes de partidos políticos e representações diplomáticas. “Agora, a gente não sabe qual a justificativa para isso. E não tem justificativa pública razoável”, diz a professora Bianca Tavolari, coordenadora do Núcleo de Questões Urbanas do Insper.
Outra novidade no Plano Diretor exime locais de culto que contemplam desde igrejas cristãs até templos budistas de se submeterem às regras das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), que estimulam a moradia popular. Os empreendedores privados que tiverem terreno dentro dessas áreas devem erguer imóveis destinados à população de baixa renda se decidirem demolir para construir algo novo ou ampliar uma propriedade.
A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, construiu sua réplica do bíblico Templo de Salomão numa ZEIS no Brás (zona central de São Paulo). A igreja do bispo Edir Macedo precisou doar um terreno à prefeitura para regularizar sua situação, já que a legislação vigente vetava a edificação sem compensação social.
Na prática, o dono de um terreno que abriga uma igreja poderia vendê-lo ou reformá-lo para outro uso como, digamos, subir uma loja ali. E não seria obrigado a construir habitações de interesse social.
A manobra para dispensar templos dessa exigência “distorce os objetivos de ZEIS, favorece a retenção especulativa de imóveis e reduz os recursos para o Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano)”, afirma o urbanista Anderson Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Unifesp. “É o fim da picada.”
O Fundurb é usado pela prefeitura para financiar melhorias na cidade, como moradias mais baratas, conservação de praças e parques e projetos ambientais. Os recursos vêm de uma arrecadação chamada Outorga Onerosa do Direito de Construir, uma taxa que o município cobra quando se constrói mais metros quadrados do que o tamanho do terreno.
“Se o poder público simplesmente deixar uma pessoa privada construir o tanto que ela quiser, vou ter dois tipos de problema”, afirma Tavolari. Primeiro: substituir um edifício por outro com muitos andares extras pede paridades na infraestrutura da região esgoto, iluminação, tráfego etc. “E tudo isso é pago com dinheiro público.”
Já que a empresa lucra com o empreendimento, nada mais justo do que pagar pelo direito de ocupar mais espaço, diz a professora.
Os templos já são dispensados dessa contrapartida financeira, incluídos na mesma categoria de creches, escolas e hospitais públicos.
Relator da revisão do Plano Diretor, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) disse à Folha que a mudança não amplia benefícios às igrejas. Em vez disso, deixa de aplicar condições que poderiam prejudicar essas instituições em casos de eventual dificuldade que levem à desocupação momentânea dos imóveis. “Os templos já cumprem sua função social. Quais entidades ou empresas prestam serviços sociais mais relevantes?”
Goulart foi apontado por vereadores da bancada evangélica como a pessoa certa para falar sobre a inclusão dos pontos que privilegiam igrejas e afins. Nenhum deles quis comentar sobre um lobby para garantir vantagens para templos.
Líderes religiosos consultados pela reportagem apontam o trabalho social intenso que que essa rede de fé oferece à sociedade, daí haver fundamentos para tratá-los de forma diferenciada no Plano Diretor.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E CLAYTON CASTELANI / Folhapress