Novo vinil ‘Paêbiru’ revitaliza disco raro de Zé Ramalho conforme o original

PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Para colecionadores de vinil, uma espera de quase 50 anos terminará em meados de junho de 2024, quando a gravadora Polysom lança, em disco, a versão original do LP “Paêbiru: Caminho da Montanha do Sol” de Lula Côrtes e Zé Ramalho, lançado em 1975 pela gravadora pernambucana Rozenblit.

A mesma Polysom havia lançado, em 2019, um vinil do álbum, mas este não foi feito a partir da versão original do LP, mas de uma versão modificada pela gravadora Rozenblit. Para apreciar “Paêbiru” em disco e da maneira como Lula e Zé Ramalho o imaginaram, só ouvindo a nova edição.

A história de “Paêbiru” faz parte da mitologia do rock brasileiro. Gravado em 1974 por Zé Ramalho e Lula Côrtes com ajuda de vários músicos nordestinos que depois se tornariam famosos, como Geraldo Azevedo e Alceu Valença, o disco foi inspirado na lenda de Sumé, entidade mitológica dos tupi.

Zé e Lula, leitores de Carlos Castañeda e fissurados na contracultura e nos movimentos hippie e beatnik, fizeram um LP experimental, misturando rock lisérgico e música folclórica nordestina. O tema do disco era a Pedra do Ingá, um monumento no agreste paraibano que contém inscrições rupestres de origem desconhecida e que, para alguns, seriam obra de extraterrestres. Era um LP duplo, em que cada lado vinha identificado por um dos quatro elementos: terra, ar, fogo e água.

“Lula chegou à gravadora, falou do projeto, e meu pai [José Rozenblit] logo concordou em gravar aquela loucura”, conta Hélio Rozenblit. “Lula e Zé Ramalho eram muito jovens, ninguém os conhecia, então acho que foi uma coisa muito corajosa do meu pai dar espaço para aqueles músicos tão novos.”

Hélio conta que o disco foi gravado num esquema totalmente improvisado: “O Zé Ramalho dava o início com violão, depois vinha o Lula e botava o tricórdio, e cada um que chegava depois improvisava em cima daquilo. O Alceu chegou lá de fralda ainda, não era o famoso Alceu Valença, e fez efeitos de besouro, barulhos de mosca, passando os dentes no celofane para criar efeitos. Depois vieram Robertinho de Recife, Zé da Flauta, grandes músicos, e cada um deu sua colaboração”.

Hélio diz que apenas 300 discos foram prensados. “Fizemos um número pequeno porque ninguém sabia se aquele disco, que era caro por ser um vinil duplo, com uma capa muito bem feita, iria vender alguma coisa.” Em 17 de julho de 1975, uma das piores enchentes da história de Recife deixou 80% da cidade debaixo d’água, incluindo a fábrica da Rozenblit. “Ficamos dois dias ilhados dentro da fábrica, comendo cocos e um saco de farinha que alguém tirou da cozinha.” Quase todo o estoque de discos da fábrica foi destruído, incluindo as cópias de “Paêbiru”. Hélio calcula que apenas 15 ou 20 discos da prensagem original sobreviveram: “Nós tínhamos mandado uns cinco pro Lula, cinco pro Zé Ramalho, e ficamos com alguns. O resto todo foi perdido”. Nos anos seguintes, cópias desse vinil seriam vendidas por até 10 mil reais.

As águas destruíram também o acetato original usado como matriz do vinil, mas as fitas master, com a gravação original do disco, estavam numa prateleira alta e foram poupadas. Meses depois da enchente, Hélio levou essas fitas para o Rio de Janeiro, para remasterizá-las, e teve a ideia de incluir efeitos de “reverb” e eco. Num estúdio no Rio, ele mesmo adicionou esses efeitos à gravação original de “Paêbiru”, e é essa versão que, lançada depois em vinil pela Rozenblit, circulou mais entre colecionadores do Brasil e do mundo.

“Eu digo que há duas versões do disco: AC e DC, antes e depois da cheia”, brinca Hélio. “A versão mais famosa, que quase todo mundo ouviu, é a feita depois da cheia. A que a Polysom está lançando agora é a original, sem os efeitos que eu adicionei ao disco.”

Mesmo antes da enchente, a história da produção de “Paêbiru” já era repleta de acidentes de percurso. “Foi um disco muito maluco”, diz Hélio. “Aconteceram alguns erros na gravação e na mixagem, mas que acabaram ficando no disco. Eu cometi um erro, mas que Lula adorou e disse pra deixar: tem uma hora em que um pássaro bate as asas e pia. No estéreo, o som do piar foi para um lado e o barulho das asas foi para outro. O efeito não foi proposital, mas todo mundo gostou está assim até hoje.” Para adicionar à aura de mistério do disco, Lula Côrtes morreu em 2011, e Zé Ramalho raramente fala sobre o LP.

“Paêbiru: Caminho da Montanha do Sol” será relançado na série “Clássicos em Vinil”, que já pôs no mercado mais de 140 títulos importantes da música nacional.

A Polysom está completando 15 anos desde sua refundação, quando foi comprada pela gravadora Deck e iniciou um trabalho notável de reedições de álbuns clássicos e lançamentos de discos novos. Nesse período, foram fabricados mais de 1,3 milhão de discos de 1300 títulos diferentes.

ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress

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