SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de veículos sob responsabilidade de um agente de trânsito na cidade de São Paulo saltou quase 70% em uma década.
A disparada reflete a queda de pouco mais de 20% no quadro desses funcionários na CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) entre 2014 e 2023, na contramão aos 30% a mais de carros, motos e outros na frota na capital paulista.
Em dezembro de 2014, na média, para cada um dos 1.750 agentes havia cerca de 4.515 veículos cadastrados na cidade.
No fim do ano passado, cada um dos 1.380 agentes era responsável, em média, por aproximadamente 7.500 veículos.
A redução no número de CETs foi confirmada à Folha de S.Paulo pela própria empresa municipal, por meio de um pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação). A frota de veículos consta no painel Observatório Mobilidade Segura, serviço estatístico da própria companhia.
Em abril de 2024 (dado mais recente informado) houve uma pequena alta de agentes de trânsito, passando para 1.384 não é possível, entretanto, fazer a comparação com frota, por falta de dados atualizados no painel usado para análise.
Entre as razões para o enxugamento no quadro de agentes que vem ocorrendo anualmente nos períodos informados estão pedidos de aposentadoria e progressão de carreira, aponta a companhia de tráfego.
Para amenizar o problema, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que há um concurso público em fase final para convocação de 254 aprovados para os postos de agentes e gestores de trânsito, que irão repor as necessidades operacionais da companhia, conforme explica. A administração municipal, porém, não cita quando eles devem ser chamados.
O salário para agente previsto no edital do concurso é de cerca de R$ 3.800.
Mesma com essas convocações, a cidade ainda ficaria com um deficit de aproximadamente 650 agentes, nas contas de Sérgio Ejzenberg, engenheiro e mestre em transportes pela USP (Universidade de São Paulo), pela proporção frota x CETs. “Isso se a quantidade de agentes em 2014 era suficiente”, afirma.
Na proporção, calcula o especialista, a cidade precisaria de ao menos 2.280 profissionais atualmente.
Para Reno Ale, presidente do Sindviários (o sindicato de trabalhadores no trânsito de São Paulo), os agentes estão sobrecarregados, principalmente quando precisam atuar no controle do tráfego em grandes eventos.
Ele cita o Carnaval de 2024, quando quase 500 blocos saíram às ruas da capital paulista. Entre a organização e a dispersão, agentes precisam remodelar o trânsito para os desfiles, ficar de olho na segurança viária e trabalhar na volta à normalidade quando os foliões foram embora.
“A idade média do pessoal aumentou bastante e as pessoas não querem mais ficar expostas ao esforço físico e ao cansaço das horas extras que estão precisando fazer”, afirma o sindicalista. “A atividade de agente de trânsito é perigosa, se ele estiver com baixa atenção, pode correr riscos.”
Segundo a CET, a idade média dos agentes atualmente é de 55 anos, ou seja, 8 anos a mais que em 2014, quando a média de idade era de 47 anos.
De acordo com o Observatório Mobilidade Segura, as multas de trânsito também diminuíram nos períodos comparados, apesar da maior quantidade de carros e motos nas ruas e avenidas paulistanas.
Em 2014, foram cerca de 9,3 milhões de autuações registradas contra 8,1 milhões em dezembro do ano passado diminuição de 13%. A queda foi puxada pelo menor número de multas registradas manualmente (foram 60% a menos).
Estacionar sem pagamento de Zona Azul ou em lugar proibido foram as principais infrações de trânsito flagradas pelos agentes no ano passado.
A CET diz que a fiscalização de trânsito conta ainda com 30 mil policiais militares e 5.000 guardas-civis metropolitanos, que podem multar motoristas infratores.
Principais multas aplicadas por agentes de trânsito em 2023
Em milhares
Estacionar em desacordo com a regulamentação / estacionamento rotativo – 357
Estacionar em local/ horário proibidos pela sinalização – 245
Transitar pela faixa exclusiva do transporte público coletivo – 116
Transitar segurando ou manuseando o celular – 88
Avançar o sinal vermelho – 62
Fonte: CET
A falta de agentes, segundo Ale, tem refletido diretamente nos engarrafamentos no início da noite do último dia 22 de março, a cidade de São Paulo registrou 1.370 km de lentidão. A marca é a maior desde que a CET, em parceria com o aplicativo Waze, passou a considerar no cálculo 20 mil km de ruas e avenidas da capital, um ano antes.
“Um agente que conhece a região consegue desatar o trânsito mais rapidamente, isso um GCM não faz”, afirma o presidente do sindicato. “Trânsito é uma questão de educação e engenharia, não apenas de fiscalização.”
O agente tem um papel didático importante, afirma Ciro Biderman, diretor do FGVCidades, da Fundação Getulio Vargas, freando o comportamento de motoristas que podem provocar acidentes de trânsito, pelo fato de estarem visíveis nas ruas. “Estamos assistindo ao aumento da sinistralidade, que teve estava estagnado”, diz.
Segundo o Infosiga, sistema de monitoramento da letalidade no trânsito do governo estadual, o número de mortes no trânsito da cidade de São Paulo é o maior desde 2015.
Com mais agentes nas ruas, diz Ejzenberg, a CET poderia ser mais ágil ao requisitar um profissional para controlar a confusão formada em um cruzamento quando há quebra de semáforo.
Conforme a Secretaria de Mobilidade e Trânsito e a CET, a cidade de São Paulo optou pela automatização da fiscalização por meio de equipamentos exatamente para liberar seus agentes na operação do trânsito, “com foco na segurança e na fluidez”.
“Nos últimos anos, uma série de enquadramentos, antes feitos somente por agentes, passaram a ser realizados pelos equipamentos de fiscalização eletrônica”, diz a prefeitura.
Em abril, entretanto, Nunes assinou um decreto que paralisou a ampliação de radares na capital. A publicação do documento ocorreu dias depois de a CET anunciar que iniciaria “a implantação e troca dos equipamentos de fiscalização eletrônica existentes na cidade”.
Ao explicar a medida na época, o prefeito disse que radares só seriam colocados a partir de “justificativa importante para a questão da segurança do trânsito” e que iria potencializar ações de conscientização e que resultem na diminuição de acidentes e de óbitos.
FÁBIO PESCARINI / Folhapress