SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Embora os homicídios estejam em queda no Brasil, as mortes por intervenção policial praticamente triplicaram em uma década. No ano passado, foram registrados 6.393 mortos nesta situação, ou 17 por dia, ante 2.212 casos em 2013, um aumento de 189%.
Isso apesar do ano passado ter registrado uma redução de 0,9% em relação a 2022. Já na comparação com 2017, ano com recorde de mortes violentas no país, o número do ano passado representa uma alta de 23,4% de alta.
A quantidade de mortos pela polícia no Brasil estacionou na casa dos 6.000 em 2018, e tem seguido neste patamar desde então. Segundo especialistas no tema, o número não deve baixar nos próximos anos.
Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (18). Em 2023, as forças de segurança foram responsáveis por 13,8% de todas as mortes violentas intencionais no país indicador que reúne também homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, além das mortes causadas por policiais. O relatório é feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em 2013 foi a primeira vez que a coleta de dados foi feita após a criação do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), que também determinou os registros de morte por intervenção de agente policial. Isso permite a comparação ano a ano nessa categoria, já que antes disso os números não eram comparáveis.
Em números absolutos, as polícias que mais mataram em 2023 foram as da Bahia, com 1.699 mortes, alta de 15,8% em relação ao ano anterior, e as do Rio de Janeiro, com 871 óbitos em meio a uma redução de 34,5%.
Considerando taxas por 100 mil habitantes, o Amapá (23,6) encabeça a lista, seguido por Bahia (12) e Sergipe (10,4). Entre as cidades com mais de 100 mil habitantes, Jequié, no interior da Bahia e terceira mais violenta do país em geral, registrou a taxa de 46,6 por 100 mil pessoas. Ela é seguida por Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro (42,4) e Macapá, capital do Amapá (29,1).
Mato Grosso do Sul e Mato Grosso mais que dobraram a quantidade de mortes na comparação de 2023 com 2022. No caso do primeiro, o aumento foram 133 mortos em 2023 e 51 no ano anterior, enquanto no segundo foram respectivamente 223 e 109.
Como as taxas de homicídio nos dois estados não aumentaram, a proporção de mortes causadas pela no polícia aumentou em ambos.
Entre todas as unidades federativas, o Amapá tem a maior proporção de mortos pela polícia entre o total de mortes violentas, com 33,7%. Ele é seguido por Sergipe (33,3%) e Goiás (32,2%). Isso significa que três em cada dez mortes violentas decorreram da ação das forças de segurança nesses três estados.
O perfil de quem é morto pela polícia é uma versão acentuada do contingente vitimado por mortes violentas intencionais. São homens (99,3%) jovens (71,7%) e negros (82,7%), em geral mortos em vias públicas (63,6%).
Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, é possível que a letalidade policial avance. Além da alta na Bahia, sob o governo Jerônimo Rodrigues (PT), ela cita a de 19,7% em São Paulo, que acumulou 504 mortos pelas polícias no ano passado, no primeiro ano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Minha impressão é que vamos superar, porque tivemos crescimento na Bahia, que já tem números muito elevados, crescimento em São Paulo e em outros estados com essa tendência. Se continuarmos com essas proporções no segundo semestre, é provável que passe desse patamar de 6.000 mortes.”
No Centro-Oeste, segundo Samira, a opção do confronto também parece ter ganhado espaço, em detrimento do trabalho de investigação. Segundo ela, isso aconteceu tanto em Mato Grosso, onde predomina o Comando Vermelho, quanto em Mato Grosso do Sul, com hegemonia do PCC (Primeiro Comando da Capital).
“Esses estados sofrem com o crime organizado, é evidente. Muitas das rotas usadas pelo narcotráfico passam por esses estados.” Rotas, inclusive, na ligação com a Bolívia e o Paraguai.
Já em Goiás, como mostrou reportagem da Folha, o governo Ronaldo Caiado (União Brasil) também tem reforçado a mensagem do combate armado, inclusive rejeitando propostas de controle como o uso de câmeras corporais.
A redução significativa no Rio de Janeiro, por outro lado, pode estar ligada a pressões da sociedade civil e a uma tentativa do governo e das polícias fluminenses de evitar confronto direto com o Judiciário.
“Não há elementos de que houve mudanças para aprimorar o controle do uso da força ou estabelecer mecanismos de supervisão. Não é algo de política pública, mas circunstancial”, afirma Samira.
LUCAS LACERDA / Folhapress