SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A presença de ex-comandantes da Rota nas campanhas de Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) reforçou a rivalidade entre os dois pré-candidatos que lideram a corrida à Prefeitura de São Paulo. Boulos tornou pública a presença do coronel Alexandre Gasparian na equipe que prepara seu plano de governo, dias após Nunes anunciar o coronel Ricardo Mello Araújo (PL) como seu vice.
Indicado por Jair Bolsonaro (PL), Mello Araújo deu munição ao rival por contribuir, na ótica de membros do PSOL e do PT, para uma “bolsonarização” de Nunes. Inicialmente, o entorno do emedebista resistia ao nome. A Boulos interessa explorar a vinculação do prefeito com o ex-presidente por causa da alta rejeição a ele na capital.
A escolha reascendeu a memória de uma declaração do ex-coronel em que defendeu tratamento diferente da PM a moradores da periferia e de áreas nobres. Boulos, que é apoiado pelo presidente Lula (PT), tem explorado a frase de 2017 na tentativa de acenar a eleitores de regiões periféricas.
Entre aliados de Nunes, a participação de Gasparian foi lida como uma resposta do adversário à escolha de Mello Araújo como vice e como um reconhecimento de que a pauta da segurança é cara ao eleitorado. Os dois coronéis hoje estão na reserva.
Integrantes da pré-campanha do prefeito dizem que o nome do vice foi bem recebido segundo pesquisas internas quantitativas e qualitativas, já que responde a uma preocupação dos moradores. Como mostrou pesquisa Datafolha de março, o maior problema da cidade de São Paulo é a segurança para 23% dos entrevistados, seguida da saúde, citada por 16%.
Auxiliares de Boulos negam que a presença de Gasparian seja uma resposta à entrada de Mello Araújo na candidatura adversária e dizem que ele já estava atuando nos últimos meses, como colaborador em um grupo que reúne outros profissionais da segurança pública para discutir propostas para a área.
O coordenador dessa temática no plano de governo é o sociólogo Benedito Mariano, ex-secretário municipal de Segurança Urbana e ex-ouvidor das polícias do estado. À Folha ele diz que foi um dos que indicaram Gasparian para a tarefa, assim como delegados e membros da GCM (Guarda Civil Metropolitana).
“Conheço o coronel Gasparian há anos. É um legalista e um dos melhores quadros da PM de São Paulo”, afirma Mariano, acrescentando que ele já estava na equipe “muito antes” do anúncio de Mello Araújo.
Aliados de Boulos também têm minimizado o ruído provocado pela presença de um ex-coronel da Rota (batalhão de elite da PM paulista, conhecido por sua letalidade e truculência) em uma campanha do PSOL. A reportagem apurou que alas do partido se incomodaram, mas devem evitar críticas em público.
A linha da pré-campanha é a de que Gasparian tem uma convergência com a visão da candidatura sobre segurança. A assessoria de Boulos divulgou nota em que prega “políticas públicas sérias e sem demagogia” e se refere ao coronel como “um defensor da vida e dos direitos humanos”.
O policial comandou a Rota por sete meses em 2015, no governo do então tucano Geraldo Alckmin (hoje no PSB e apoiador da pré-candidata Tabata Amaral). A gestão de Gasparian foi marcada pelo afastamento de policiais suspeitos de envolvimento em mortes.
Nos bastidores, auxiliares do prefeito afirmam que Boulos segue os passos de Nunes ao acenar para a segurança pública e, de certa forma, também se dobra a um discurso mais à direita. A avaliação parte do pressuposto de que a esquerda menospreza o problema e tem dificuldade de encará-lo.
O presidente do MDB e coordenador da pré-campanha de Nunes, Baleia Rossi, afirmou ao portal Metrópoles que Boulos copia o prefeito ao levar um ex-coronel da Rota para seu time. Para Baleia, trata-se de um “reconhecimento de que o prefeito está no caminho certo”.
Segundo Josué Rocha, coordenador da pré-campanha de Boulos, a participação do PM demonstra compromisso da candidatura com segurança e capacidade de diálogo. O pré-candidato se esforça para combater o rótulo de radical e tenta furar bolhas para chegar a um eleitorado além da esquerda.
“Não temos um posicionamento contrário à segurança pública e aos policiais, mas, sim, a uma visão de segurança que se norteia pelo excesso de violência e pelo desrespeito aos direitos humanos”, diz Rocha, rebatendo a imagem “que muitas pessoas têm” de antagonismo da esquerda com a pauta.
Boulos manteve a artilharia contra Mello Araújo após a divulgação da notícia de que também tem a seu lado um ex-Rota.
Nesta terça-feira (2), em sabatina do SBT News e da Novabrasil, buscou diferenciar seu colaborador, dizendo que Gasparian “trabalhou na prisão de 16 policiais da Rota que cometeram crimes com a farda” e defende os direitos humanos, “justamente o contrário daquele que acha que tem que tratar diferente quem mora na periferia e quem mora nos Jardins”.
A pré-campanha diz ter sido uma coincidência a revelação da presença de Gasparian após Nunes aceitar Mello Araújo como vice. A explicação é que já estava previsto começar a detalhar questões do programa e nomes de colaboradores.
Questionado se o pré-candidato pode ser beneficiado ou prejudicado pela vinculação a um ex-comandante da Rota, o deputado estadual Antonio Donato (PT), um dos coordenadores do plano de governo, diz que Gasparian tem visão convergente com a do grupo e que “o que ajuda são as propostas” do candidato. “É isso que interessa ao povo.”
Entre articuladores de Nunes, há a leitura de que as notícias de que Gasparian integra a equipe de Boulos serviram para blindar o prefeito ou ao menos desviar o foco das críticas a Mello Araújo.
Ainda de acordo com aliados do prefeito, havia entre pré-candidatos a vereador da coligação emedebista um receio de que eles fossem impedidos de entrar em regiões periféricas da cidade para fazer campanha pelo fato de o vice ser coronel da reserva da PM, como noticiou o Painel. Agora, argumentam, o lado adversário pode enfrentar o mesmo problema por causa de Gasparian.
JOELMIR TAVARES E CAROLINA LINHARES / Folhapress