Nunes poderia cair na fenda da polarização ou se afastar, diz socióloga da campanha

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Coordenadora de pesquisas para a campanha de Ricardo Nunes (MDB), a socióloga Marisol Recamán aconselhou o prefeito desde o início a fugir da polarização proposta por seus principais adversários, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) e o influenciador Pablo Marçal (PRTB), e focar nas entregas da gestão.

“Fortalecer a polarização ajudava os eleitores a abrir os ouvidos tanto para Boulos quanto Marçal. Não era bom alimentar elementos de outras candidaturas”, diz à Folha.

Com longo histórico de atuação em campanhas petistas, como as do presidente Lula (PT) e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Marisol avalia que Boulos exagerou na agressividade e deixou de apresentar propostas ao eleitor antibolsonarista.

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*Folha – Quando a campanha começou, qual era o principal desafio para Nunes?*

*Marisol Recamán -* O desafio era mostrar seu governo e fortalecer a imagem do prefeito. Como ele assumiu após ser vice, tinha que mostrar quem ele era através de seu trabalho.

*Folha – Esse desafio se manteve ou se atualizou?*

*Marisol Recamán -* Com a entrada do [Pablo] Marçal, houve uma mudança dos campos de disputa. A polarização já estava colocada com o [Guilherme] Boulos. Com o Marçal, se coloca uma disputa clássica entre [Jair] Bolsonaro e Lula. Aí a pergunta era: qual o espaço do prefeito numa disputa que polariza? É a gestão, porque estamos fazendo uma campanha municipal. Trata diretamente da vida das pessoas.

Ricardo [Nunes] tinha uma gestão para mostrar. Poderia cair numa fenda da polarização ou construir uma estrada e se afastar. A verdade é que a cidade não estava nessa pauta. A referência de posicionamentos e simpatias se coloca num primeiro momento, mas depois é discussão da cidade. Nunes tinha muita vantagem.

*Folha – Nunes perdia pontos quando manifestava posições do bolsonarismo?*

*Marisol Recamán -* Ele ia para o campo do Marçal e do Boulos. Sempre que se colocou nessa disputa, ficou sem lugar. Fortalecer a polarização ajudava os eleitores a abrir os ouvidos tanto para Boulos quanto Marçal. Não era bom alimentar elementos de outras candidaturas.

*Folha – O surgimento do Marçal foi o momento mais difícil?*

*Marisol Recamán -* [Quando] Ele entrou já era um sinal, mas não se tinha ideia do quanto essa experiência via rede teria forças. A preocupação maior foi quando começou a crescer. Sem dúvida uma base de conquista do Ricardo foi para ele. Não era o Boulos que perdia, era o Ricardo.

*Folha – Como foi a discussão sobre a participação do Bolsonaro, considerando também o papel do governador Tarcísio de Freitas?*

*Marisol Recamán -* A campanha tinha claro que Bolsonaro ajudava a olhar para a eleição de forma a interessar os extremos.

O Tarcísio é governador. Fortaleceu muito essa ideia de parceria, já estamos fazendo e vamos fazer mais. Não vi na população essa discussão de que Tarcísio representava o bolsonarismo. As pessoas sabiam disso, mas não era dessa forma que olhavam.

*Folha – Mas houve a discussão sobre o quanto Bolsonaro agregava ou afastava eleitores.*

*Marisol Recamán -* Não chegou a ter esse problema porque Bolsonaro não veio para a candidatura. Ele também estava com um pé em cada lado. Se o apoiador não está [presente], não precisa fazer essa discussão.

*Folha – Por que a sra. acha que Marçal não chegou ao segundo turno?*

*Marisol Recamán -* Só com aquele discurso de combate ao Boulos, à esquerda, ao Lula, era muito difícil ter mais que 30% [dos votos]. A cidade não tem um campo maior do que foi a votação dele. Acho que ele conquistou muito.

*Folha – E Boulos, no que a sra. avalia que a campanha falhou?*

*Marisol Recamán -* Boulos tinha um campo político bastante forte na cidade, mas a candidatura precisaria conversar com o antibolsonarismo. Não se conversa com todo o antibolsonarismo apenas com uma discussão polarizada. Ele não trouxe o que o eleitor queria saber. Acho que perdeu a oportunidade de dialogar mais a partir de seus projetos.

*Folha – É possível reverter uma rejeição alta como a que ele tinha?*

*Marisol Recamán -* É possível. A esquerda tem uma rejeição como a direita tem. Zerando isso, vamos discutir o que é rejeição de verdade. A dele era maior porque tinha discussão de ocupação, MTST, mas não acredito que tenha sido o principal motivo. Para os eleitores que ele precisava conquistar, não acredito que o passado fosse um problema. Muita gente achava bastante valoroso. O problema foi a agressividade no lugar de propostas.

*Folha – A esquerda tem tido dificuldade de se reconectar com o eleitor. A sra. enxerga um caminho?*

*Marisol Recamán -* Tem coisas mais profundas que não se resolvem no processo eleitoral de 2026. Os instrumentos de representatividade política estão muito distantes do eleitor. “Não tenho perspectiva de futuro, o Estado não me ajuda”. Isso tem um desgaste.

A esquerda tem uma tarefa de reconstruir um projeto para apresentar. É tarefa urgente e mundial. Quando você fala que o Boulos moderou… É isso que o eleitorado queria? O eleitorado queria saber o que ele iria fazer. Esse vínculo precisa ser reconstruído.

*Folha – A extrema direita se sai muito bem em aproveitar esse descrédito.*

*Marisol Recamán -* Ela faz o [discurso] antissistema e por isso soa bem. A população olha o Estado quase como se tivesse dono. São os políticos, e eles estão longe de mim. Está quebrado o vínculo. Não é uma discussão de gestão pública, coletividade. Na concepção da extrema direita, o outro é um problema. [Isso] Cabe muito bem quando você está sozinho, quando o Estado não te representa. O outro é estranho mesmo, não é meu coletivo.

*Folha – Os bolsonaristas estão muito animados com a eleição de Donald Trump.*

*Marisol Recamán -* Trump teve um posicionamento muito claro sobre imigração, etnia, e o quanto foi misógina a candidatura. Não votaram apesar disso, votaram também por isso. Essa maioria está constituída lá. Há um campo político que cresce no mundo inteiro, no Brasil não é diferente. Obviamente esse campo se fortalece.

*Raio-X – Marisol Recamán*

Diretora da OMA Pesquisa, tem 61 anos, é socióloga formada pela PUC-SP e atuou na Fundação Perseu Abramo e nas campanhas presidenciais de Lula (PT) e de Dilma Rousseff (PT)

ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress

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